domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Ameaça de Cumbre Vieja



Você provavelmente nunca ouviu falar de Cumbre Vieja.
E esperemos que continue assim.

Como eu escrevi em determinado trecho deste artigo, o povo dessa terra adora dizer que "Deus é brasileiro" porque nosso país não sofre com desastres naturais. Só que a gente sabe que esse pessoal tem memória MUITO curta para praticamente tudo, e com catástrofes não seria diferente.

Eu DUVIDO que algum de vocês vá se lembrar de João Acácio Pereira da Costa "luz vermelha", Sandro do Nascimento, Hildebrando Pascoal, Francisco de Assis Pereira "maníaco do parque", Paulinho Paiakan, Mateus da Costa Meira "atirador do shopping", Roberto Aparecido Alves Cardoso "champinha"... não veio ninguém na memória, admita. Vocês só se lembrarão de casos mais recentes, como o do casal Nardoni, Suzane von Richthofen, Wellington Menezes ou Lindemberg Alves, e mesmo assim olhe lá!
Tampouco vão lembrar de Yves Yoshiaki Ota, Liana Friedenbach, Gabrielli Cristina e João Hélio... novamente, casos atuais ou que ainda estão na mídia, como os de Eloá Pimentel e Isabela Nardoni, ainda poderão estar em suas cabeças. Mas não muito mais do que isso.

Se tragédias humanas, que acontecem a rodo todos os anos neste país, já temos a "incrível" capacidade de esquecer menos de 6 meses depois e até fazer piadinhas, o que dizer de catástrofes naturais?
Alguém ainda ouve falar sobre a tragédia na região serrana do Rio, a pouco mais de 01 ano? Ou sobre a enchente em Santa Catarina, igualmente recente? A seca no nordeste nem chama mais a atenção. Também posso apostar que nenhum de vocês sequer tem conhecimento da tragédia da Serra das Araras, de 1967, certo? Pois é...

Com relação a catástrofes naturais, temos alguns problemas com água, é verdade, mas nada comparado a um maremoto. Os grandes que aconteceram nos últimos tempos, como na Indonésia (2004), no Chile (2010) e no Japão (2011) ocorreram em outros oceanos que não o Atlântico ou seja, sem nenhuma possibilidade de nos atingir. E, de fato, não sentimos efeito algum destes acontecimentos. Contudo, não é apenas no Índico e no Pacífico que eles podem se manifestar. Os meios de comunicação querem nos fazer acreditar que vivemos num país tranquilo, mas esquece-se de dizer que outros países próximos não são tão tranquilos assim, e que desastres naturais não conhecem fronteiras.

A possibilidade de um maremoto em nossa costa nem sequer é cogitada, uma vez que o Brasil está cravado no meio da placa sul-americana, longe de qualquer fronteira que esta tenha com outras regiões tectônicas. Mas existe uma catástrofe, muito, MUITO mais destruidora do que nossas enchentes e deslizamentos, cuja probabilidade de acontecer é bem real e da qual já temos conhecimento, que é solenemente ignorada por todos – incluindo aí a mídia e o próprio governo: Cumbre Vieja.

Este é o arquipélago das Canárias... San Miguel de La Palma está à extrema esquerda.

Quem!? Um vulcão de 1.949m de altura situado na ilha de San Miguel de La Palma, no arquipélago das Canárias, território do reino da Espanha a pouco mais de 4.200km da costa nordeste do Brasil. Trata-se de um local de intensa atividade sísmica e com muitos vulcões ativos. A própria origem do arquipélago é vulcânica. Só na ilha em questão existem os vulcões Taburiente I e II, Bejenado, Teneguía, Cumbre Nueva e Cumbre Vieja. Nada menos que 06 vulcões numa ilha com pouco mais de 40km de comprimento.
Este último ainda encontra-se em atividade, com vários registros ao longo da história, mas o que o torna um problema foi que, durante sua última grande erupção em 1949, abriu-se uma enorme fratura na parte sudoeste da ilha que, em uma próxima explosão, pode se desprender e deslizar com tudo para dentro do Atlântico. Que isto vai acontecer já não se tem dúvidas. O único problema é descobrir quando. E é daí que vem a preocupação maior...

Isto porque calcula-se que o deslizamento faria cair no mar uma massa de terra de assustadores 500km3. Só para efeitos de comparação, o maior deslizamento de terra da era moderna, ocorrido durante a erupção do Santa Helena em 1980, moveu "apenas" 2,8 milhões de m3, ou 0,0028km3 de terra. Ou seja, Cumbre Vieja despejaria quase 180 mil vezes mais terra nas águas do Atlântico norte do que o maior volume deslocado já registrado na história.


Foto da Ilha de San Miguel de La Palma.
A seta mostra a localização do vulcão e
a linha contorna a área que poderia se
desprender durante a próxima erupção.
Qual o problema disso? Bom, uma porrada dessa no oceano seria similar ao impacto de um meteorito, fazendo um volume horroroso de água deslocar-se subitamente, principalmente em direção ao ocidente. Viajando pelo mar à velocidade de 800km/h, entre 06 e 07 horas ondas de até 60m atingirão o nordeste brasileiro, devastando todas as capitais litorâneas como São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa e Recife. O interior também seria atingido, pois calcula-se que uma onda deste tamanho avançaria até 20km terra adentro, dependendo das condições de relevo.
Na América do Norte, os EUA serão o país que mais sofrerá com a chegada da onda, e todas as grandes cidades americanas da costa leste, como Nova York, Miami e a capital Washington serão severamente abaladas. Já o México seria protegido pelas Antilhas, mas ainda assim uma parte da onda conseguirá contorná-las e alcançar seu território causando danos significativos.


E não será apenas o Ocidente a sofrer. Conforme pode se ver nas ilustrações, a onda dará a volta na ilha e também irá em direção ao outro lado. E ao chegar na Europa, após viajar pouco até atingir seu litoral, paralelamente terá perdido pouca força no trajeto, e ficará mais alta do que em qualquer outro lugar: ao chegar à Lisboa poderá estar com até 900m de altura.

Erupção submarina do vulcão El Hierro, em outubro de 2011.
Catastrofismo? Medo infundado? Não. Isto tudo também pode nunca acontecer, mas há evidências de que, se acontecer, pode ser potencialmente catastrófico. É claro que a mera probabilidade da catástrofe hoje em dia é enormemente amplificada pela mídia, especialmente a americana. Lá um episódio do seriado CSI Miami em 2004 falava especificamente da chegara de um maremoto à Flórida causado pela erupção do Cumbre Vieja; no mesmo ano Patrick Robinston publicou uma novela de ficção na qual o deslizamento é provocado por terroristas muçulmanos; na Alemanha outra novela similar, Der Schwarm (O Quinto Dia), escrita por Frank Schätzing, trata do colapso de La Palma provocado por (hã!?) vermes marinhos; na Espanha também foi lançada uma novela, Volcano, de Richard Doyle, focando também a erupção do Cumbre Vieja... ou seja, estão dando um tom midiático à coisa que, ao mesmo tempo em que amplia a inquietudo com relação ao fato, o "ridiculariza" e o relega à mero fruto do alarmismo de alguns cientistas. Nada mais longe da verdade. É um perigo real, com evidências reais (muito diferente daquela bobagem de 2012) e sobre o qual deveriam haver medidas preventivas sendo planejadas o quanto antes.
Os EUA possuem sistemas de alerta contra maremotos, mas praticamente todos os países do caribe e da parte oriental da América Latina não. Os que têm litoral no Pacífico dependem quase totalmente do Sistem de Alerta de Maremotos do Pacífico, cuja sede fica no Havaí.

Mesmo que Cumbre Vieja não entre em erupção, esta pode ser desencadeada pela de outro vulcão próximo, El Hierro, que se encontra na ilha homônima a apenas 128km de distância ao sul e que, calcula-se, pode entrar em erupção muito em breve. Em outubro de 2011 houve um aumento considerável da atividade vulcânica no arquipélago. No dia 08 do mesmo mês, na ilha de El Hierro, ocorreu uma erupção submarina, 500m abaixo do nível do mar. Não trouxe perigo algum, exceto a possibilidade de se ativar outros vulcões nos arredores, dentre os quais... Cumbre Vieja.

As setas apontam para a polêmica fratura que pode fazer a ilha
deslizar numa próxima erupção.
Longe de ser alarmismo, o que eu quero evidenciar aqui é que a possibilidade existe e é bem mais real do que poderíamos imaginar inclusive algo bastante parecido já aconteceu: em 1888, um vulcão na ilha Ritter, na Papua Nova Guiné, sofreu exatamente o mesmo colapso esperado em La Palma, gerando ondas de 12 a 15 metros de altura que mataram 03 mil habitantes das áreas adjacentes. A diferença é que o desta última poderá ser até 500 vezes maior... e afetará diretamente 100 milhões de pessoas.
A grande questão, conforme já dito, é QUANDO vai acontecer. Pode ser daqui a 500 anos ou nos próximos 15 minutos, não há como saber. Não temos tecnologia suficiente para prever com tanta precisão. Estimativas de geólogos norte-americanos avaliam que o vulcão pode explodir entre 2013 e 2214; já o "vidente" brasileiro Jucelino Nóbrega da Luz afirma que um megamaremoto vai destruir a costa leste americana no final do ano que vem. Esse cara ganhou visibilidade por supostamente ter "previsto" os atentados terroristas de Nova York em 2001 e Madrid em 2004. Ai ai... (bocejos)



02 minutos após o deslizamento: a área de terra que se desprende e se esparrama pelo leito do Atlântico (em branco) é de 3.456km² e tem peso estimado em 500 bilhões de toneladas, caindo ao mar à velocidade de 350km/h. A onda (em vermelho) seguirá na mesma direção e se espalhará pelos lados. O deslizamento inteiro vai durar 10 minutos.

05 minutos após o deslizamento: conforme o material for se depositando no fundo do mar, o nível deste se elevará, e a água começará a se espalhar pelo oceano, seguindo principalmente na direção oeste.

15 minutos após o deslizamento: a maior parte da onda dirige-se para a América, mas uma parte dá a volta e atinge as ilhas de El Hierro e La Gomera.

30 minutos após o deslizamento: a onda atinge a ilha de Tenerife, e continua se dirigindo circularmente para todos os lados, com maior força para a América.

01 hora após o deslizamento: o maremoto atinge a ilha da Madeira e chega ao litoral da África, no Saara Ocidental.

03 horas após o deslizamento: o arquipélago dos Açores e a parte mais ocidental da Europa (Portugal e Espanha) já foram atingidos, enquanto a onda avança em direção à Inglaterra e está à meio caminho do continente americano.

06 horas após o deslizamento: todo o litoral norte da América do Sul - incluindo as cidades brasileiras de Belém, São Luís e Fortaleza - e a parte mais oriental das Antilhas serão atingidas pelo maremoto. Mais 01 hora e a onda chegará à costa dos EUA.

É isto que vai acontecer, caso a erupção do Cumbre Vieja leve ao colapso da ilha.
E se você é um daqueles interioranos que pensam "quem mora no litoral é riquinho e tem mais é que se foder", melhor mudar o raciocínio, seu idiota imbecil. Isto porque a foz do rio Amazonas mede quase 300km de largura e, mesmo com a ilha do Marajó servindo como barreira, o maremoto passará tranquilamente pelos lados e avançará para o interior. Com a largura média de 5km e correndo através de uma planície baixa, o rio pode muito bem servir como caminho, por onde essa onda gigante chegará quilômetros e quilômetros adentro do país, fazendo a pororoca parecer uma marolinha e atingindo até mesmo o distante pantanal matogrossense. Todas as planícies do país estão sob risco, e o Brasil é um país lotado de rios grandes e caudalosos, que formam planícies enormes e que se extendem quilômetros adentro de seu território.



Nunca havia ouvido falar nisso antes, não é mesmo? Pois é, mas este talvez seja um dos assuntos mais sérios deste início de Séc. XXI. O vulcão é considerado hoje como um dos maiores perigos naturais potenciais em todo o mundo. Uma das idéias propostas para evitar, ou ao menos minorar a catástrofe, seria a retirada artificial de terra do local, aos poucos, no decorrer de muitos anos. Seria uma operação muito demorada e MUITO cara, mas nada que se compare ao prejuízo que causaria um maremoto de 70m de altura chegando ao litoral norte-americano, fora o colossal número de mortos.

Links:


Para finalizar, mas ainda com relação a maremotos... o nome Lituya Bay te diz alguma coisa?

Provavelmente também não... mas foi nessa baía no Alaska que foi registrado o maior maremoto da História: 524 metros de altura. Se fica difícil visualizar, talvez a comparação abaixo ajude.

Apenas 2 metros abaixo da antena da torre mais alta do extinto World Trade Center...

Lembra do filme Impacto Profundo? Provavelmente os produtores se lembraram de Lituya Bay quando fizeram aquela onda colossal cair em cima do exatamente do... World Trade Center.
Felizmente, o evento ocorreu numa área isolada e fez apenas 02 vítimas fatais (pessoas que estavam num barco nas proximidades). A onda foi causada por um deslizamento de rochas e gelo que fez cair no mar 90 milhões de toneladas de material de uma só vez. Aliás, a Baía de Lituya tem um histórico de megamaremotos: outro que ocorreu lá tinha "apenas" 100m de altura...