Com o devido exagero, seria essa a frase que Yuri Gagarin diria se fizesse a primeira órbita completa em nosso planeta num futuro (talvez não muito) distante.
É
impossível conceber o mundo moderno sem plástico. Seria como lhe cortar a
eletricidade, por exemplo. Simplesmente não dá mais pra viver sem ele.
Embalagens
para qualquer coisa, recipientes idem, bóias de barco, isopor, roupas de nylon,
tampinhas de garrafa (e as próprias garrafas), hastes de cotonetes, fitas adesivas, mangueiras
de jardim, televisores, computadores, impressoras, CD’s, fios elétricos, lonas, esponjas de banho, filmes para vidros,
para livros, balões, super colas, saquinhos de leite, canudos, piscinas, brinquedos, escovas de dentes, de
cabelos, pentes, ventiladores, tampos de vasos sanitários, calçados, copos, caixas d’água, ferramentas, eletrodomésticos, móveis...
enfim, quase tudo hoje em dia é feito de plástico. Se sua casa não for antiga,
todos os canos e fios que lhe permitem ter energia e água são de plástico.
Todos os interruptores elétricos quase certamente também.
E mesmo as coisas que não são 100% feitas de plástico estão aumentando sua proporção do material. Um bom exemplo são os
carros. Nos últimos 30 anos a porcentagem de
plástico nos automóveis aumentou de 5% para 15%. O painel dos carros hoje já é quase totalmente feito de plástico (poliacetileno/acrilonitrila-butadieno-estireno);
alguns faróis, tetos solares e painéis de lataria (polibutileno tereftalato)
também, bem como bancos, espumas e pneus (poliuretano), refletores (polieterimida),
aerofólios, frisos laterais e de janelas (policarbonato/poliereftalato de etila),
calotas (poliacetileno/polióxido de fenileno), volante e grade frontal (policarbonato),
filme dos vidros (policloreto de vinila) e até mesmo os espelhos (policarbonato/acrilonitrila-butadieno-estireno). Como
pode-se ver, alguns têm nomes tão
compridos que faz-se necessário tomar fôlego para conseguir falá-los.
Pra começar, todo plástico é um polímero, mas nem todo polímero é plástico. O que torna necessário perguntar: O QUE É POLÍMERO? Moléculas orgânicas simples de carbono e hidrogênio que se aglomeram repetidas e repetidas vezes, formando cadeias poliméricas (veja a figura ao lado). Nem todo polímero é artificial: bichos-da-seda os produzem, e as aranhas já os tecem desde o Carbonífero; idem às árvores, que tão logo apareceram começaram a produzir celulose, amido e lignina, e um pouco mais tarde algodão e látex... isso tudo é polímero. Até você produz polímero: o colágeno de suas unhas e ossos é um.
O besouro-laca (Laccifer laca). |
E
um dos primeiros polímeros naturais a serem usados é produzido por um inseto.
No centro-sul asiático, ali pela Índia e Paquistão, existe um
"besouro" (na verdade, um percevejo) chamado besouro-laca (Laccifer
lacca) que produz uma secreção polimérica conhecida como goma-laca. Até o
início do século passado ela era a única substância conhecida usada para
revestir fios elétricos, conexões e daguerreótipos (câmeras fotográficas), bem
como discos de vinil (os “bolachões”).
F. Wöhler foi o primeiro a conseguir sintetizar um polímero natural em laboratório... |
E
as descobertas foram aparecendo rapidamente: em 1835 apareceu o cloreto de
vinil; em 1838, o nitrato de celulose; em 1839 o americano Charles Goodyear
inventou o processo de vulcanização da borracha natural (descobriu agora o
motivo para o nome do pneu?); em 1865 surgiu o acetato de celulose; em 1884 desenvolveu-se a primeira fibra artificial, a rayon de viscose; em 1905 inventou-se
o celofane... mas a coisa só virou problema de vez em 1909, quando o químico belga
Leo Baekeland, então em Nova
York, acrescentou fenol (ou ácido carbólico de alcatrão, para
os químicos mais chatinhos) a uma mistura de formaldeídos sob calor e pressão e
deu origem à baquelita, o primeiro plástico da história (o nome não é mera coincidência com o
do cara). Fácil de ser moldada durante a fabricação mas extremamente rígida e
durável após seu término, foi um sucesso comecial. Se você tem curiosidade de saber como ela é, vá até a cozinha e pegue uma panela. Provavelmente seu cabo é feito dela. Com a baquelita, Baekeland ficou
muuuuuito rico... e o mundo começou a ficar muuuuuito sujo.
... abrindo caminho para Leo Baekeland produzir o primeiro plástico artificial da história. Por isso é considerado o "pai do plástico". |
Manitoba, Canadá. |
Barrow, Alasca. |
Com
o fim do conflito e a disponibilidade do plástico para outros fins que não
bélicos, uma avalanche de opções inundou o mundo do consumo. Novos tipos de
plástico surgiram (como polipropileno e policarbonato) e começou a aparecer de
tudo: caixas de acrílico, plexiglas, garrafas de polietileno, embalagens
de polipropileno e brinquedos de poliuretano. De todas elas, as que mais
mudaram o mundo (para pior) foram as embalagens de cloreto de polivinil e
polietileno, que são transparentes e nos permitem ver os produtos, geralmente
alimentos, nelas contidos, além de conservá-los por muito mais tempo. Como
aquelas que envolvem queijo e presunto.
Além disso tudo, o plástico, sendo mais leve e durável, foi substituindo os materiais preferidos até então, como metal e madeira. Rádios, telefones e televisores, dentre inúmeros outros, passaram a ser fabricados com plástico.
Além disso tudo, o plástico, sendo mais leve e durável, foi substituindo os materiais preferidos até então, como metal e madeira. Rádios, telefones e televisores, dentre inúmeros outros, passaram a ser fabricados com plástico.
Rio Vacha, Bulgária. |
Costa do Havaí. |
Para
o planeta, o plástico é uma coisa ainda muito nova. Sabemos criá-lo,
mas não temos a menor idéia de como destruí-lo sem causar danos ambientais (queimá-lo
não adianta muito). Não temos idéia do quanto podem durar, tampouco o que vai
acontecer com eles em qualquer tempo geológico futuro. A natureza também não
sabe o que fazer com ele, não existem bactérias decompositoras que consigam digerí-lo.
E ninguém sabe se um dia existirá alguma que consiga.
Os
plásticos ainda não estão por aqui tempo suficiente para que os microorganismos
desenvolvam uma estratégia para lidar com eles e destruí-los. Até o momento,
tudo que eles conseguiram foi biodegradar a parte do plástico cujo peso
molecular é mais baixo – as cadeias de polímeros menores, já quebradas.
A
matéria-prima do plástico é uma coisinha minúscula chamada nurdle. São
pequenos cilindros, de 2mm de comprimento, que são derretidos para se fazer toda
e qualquer coisa de plástico que existe no mundo. São produzidas anualmente 120
milhões de toneladas – ou 5.500.000.000.000 (lê-se 5,5 quatrilhões) de unidades
individuais, das quais nem todas são utilizadas. Uma quantidade enorme delas
simplesmente se perde e acaba no ambiente.
Os famigerados nurdles. Tudo que é feito de plástico é fabricado a partir dessa porcariazinha aí. |
E
mesmo que não fossem! Seríamos, além de egoístas, estúpidos demais se nos
preocupássemos apenas por um incômodo direto!
Ah,
esqueci... é exatamente assim que nos comportamos...
Mas
se os nurdles não são microscópicos, seus produtos de plástico estão
começando a ficar assim.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. O velho ditado é verdade, como
todos sabem: a ação mecânica das ondas transforma pouco a pouco pedras em areia. Só que agora ela
está agora fazendo o mesmo com o próprio plástico. E não existe sinal algum em
qualquer lugar do mundo de que o plástico esteja se biodegradando, mesmo quando
reduzidos a esses pedaços microscópicos. E o maior problema disso é que, quanto
menor o tamanho, maior o problema que ele causa.
Rio Citarum, Indonésia. |
Mas
existe uma coisa da qual o plástico não tem culpa: o transbordamento de nossos
aterros sanitários, vulgo "lixões".
Praia de Sidon, Líbano. |
Atol de Midway, no Pacífico. |
A
razão pela qual os aterros sanitários de hoje não estão entupidos de plástico é
porque quase todo ele sempre acaba, de um jeito ou de outro, no oceano.
Só os EUA jogam fora 400 mil garrafas plásticas... por minuto. |
E
você deve (ou deveria) se perguntar: se todo esse plástico não apodrece e vai
para o mar, onde ele está?
Add caption |
No centro do turbilhão, onde a pressão é maior, a camada de plástico chega a 10m de espessura em alguns locais.
Nesta figura estão marcadas as localizações dos 5 grandes giros oceânicos que se enchem de lixo dia após dia, bem como várias curiosidades a respeito do problema (clique para ampliar). |
A mancha se comporta como um organismo vivo, mudando de forma e tamanho ao sabor das correntes marinhas. Contudo,
esta nem é a pior notícia! Estes números gigantescos referem-se apenas e tão somente ao
plástico VISÍVEL, que bóia na água. Uma quantidade impossível de ser mensurada acaba sendo "colonizada" por algas e cracas que as usam como substrato e que, com seu peso,
fazem-na simplesmente afundar. E outra quantidade simplesmente se quebra em
partículas tão pequenas que já não podem ser, nem vistas, nem medidas. Em uma estimativa, 35% de todo o lixo da área tem até 1mm de tamanho; 17% apenas 0,5mm e 10% conseguem ter míseros 0,3mm – ou seja, apenas 38% de tudo que está lá é visível. E essa parte é quase totalmente composta por sacolas, garrafas (e suas tampinhas) e isopor. Naquela
área, em uma proporção por peso, há mais plástico do que plâncton na superfície
da água.
Mais
precisamente, SEIS vezes mais plástico.
Isso
é fichinha quando a mesma experiência é feita em fozes
de rios e riachos de Los Angeles, quando tal proporção pode chegar a CEM vezes
mais – e aumentando anualmente.
A mancha de lixo do litoral do Japão. |
Se você olhou aquela figura enorme lá em cima, percebeu que existe um giro chamado giro do oceano Atlântico sul. Agora me diga: qual a nação mais industrializada do Atlântico sul? Não é Angola, Gabão, Namíbia ou Camarões... é o Brasil. Sim, nosso país é o principal alimentador do lixo daquele giro. E sabe quem mora aqui? Você. O papelzinho de bala que você joga na rua (e admita, você joga), pequenino, indefeso, vai cair, seja pela chuva ou pelo vento, na rede de pluvial de esgotos, que vai invariavelmente acabar num rio, que sempre deságua no mar.
Água-viva presa em emaranhado de rede de pesca. |
A mesma coisa essas campanhas de limpeza de praia. É isso mesmo. Elas são mais válidas para afagar nossas próprias consciências do que para de fato ajudar a livrar o mundo desta merda, porque se o plástico recolhido não for devidamente prensado, compactado e armazenado (ou até mesmo cremado), todo ele vai acabar retornando para o oceano.
É foda, pessoal... mas não dá pra ser ambientalmente correto vivendo numa sociedade industrial.
Existe
ainda outra característica marcante dos plásticos que os tornam ainda mais
terríveis: sua maldita facilidade de flutuar! E, como tudo sempre pode ficar
pior, não é apenas o que já está no plástico que causa problemas. Segundo
Hideshige Takada, da Universidade de Tóquio, uma gama enorme de toxinas
flutuantes vindas dos mais variados tipos de fontes – papel de xerox, graxa
automobilística, fluídos refrigerantes, lâmpadas fluorescentes e mais um monte
de coisa – caem diretamente em rios que desaguam no mar, e se prendem
rapidamente a qualquer resíduo plástico que lhes apareça pela frente. Ou seja,
o plástico além de já ser ruim por si só, também age como ímã e/ou esponja para um montão de
outros produtos tóxicos, como inseticidas (Aldrin, Dieldrin, Endrin, Mirex, heptacloro e toxafeno), fungicidas (hexaclorobenzeno), pesticidas (clordano e DDT), solventes (furano), lubrificantes (bifenilos) e produtos para clareamento de papel (dioxinas). Ufa! Que merda héin!?
Mas tem mais! Até
1970, para deixar o plástico mais maleável era aplicado em sua fórmula o bifenil-policlorado
(PCB), que provocava destruição hormonal em peixes e ursos polares, que nasciam
com hermafroditismo. Desde aquele ano que a substância foi proibida e nunca
mais foi usada, só que tudo que foi produzido até então ainda está na água e
vai continuar por lá, excretando PCB no mar e continuando a fazê-lo por séculos
e mais séculos.
E
infectando todos os seres vivos com os quais tiver contato. O mesmo
professor Takada constatou que as partículas de plástico que os papagaios-do-mar concentram veneno em níveis até 1 MILHÃO
de vezes maiores do que sua ocorrência normal na superfície do mar.
E
não pense que são apenas as embalagens dos produtos... às vezes, são os
próprios produtos! Faça o teste aí em sua casa. Pegue alguma coisa, geralmente
de uso feminino, como cremes, cosméticos ou até mesmo a pasta de dentes. Todos
eles têm uma coisa em comum: contém esfoliantes em suas fórmulas de
composição. Até existem aqueles que são naturais, cujos grãos são de fato
compostos por sementes trituradas, seja de uva, damasco, ou até açúcar mascavo
e sal marinho, mas os outros... são todos plástico.
É
claro que eles não vão colocar PLÁSTICO assim escancaradamente na descrição, mas se você tiver o
"trabalho" de ler a descrição do que está comprando vai descobrir
que vários dos produtos que você tem (e que são embalados em plástico) contém
plástico. Principalmente polietileno. Claro, tudo em letrinhas beeeeem pequenas, quase nanométricas, para justamente te dar preguiça de ler. E isso quando eles têm a descrição. Existem produtos que são vendidos em caixas cuja única função é fazer você abrí-la e jogar fora, e é justamente lá que eles colocam a descrição. Muito espertinhos. Seja como for, todos os produtos de beleza e de
limpeza corporal geralmente saem no banho – resumindo: sem ter a menor idéia você
está mandando plástico pro ralo, que vai dar na rede de esgoto, que vai acabar... no oceano. No final das contas, novamente, todo esse
plástico vai acabar no mar.
Exceto
por uma mínima quantidade que é reaproveitada ou incinerada, todo o plástico
produzido nos últimos 70 anos, inteiro ou granulado... ainda existe. Está em
algum lugar no ambiente.
Plástico encontrado no estômago da carcaça de um único jovem albatroz-de-Laysan (Phoebastria immutabilis), coletado pela dr. Cynthia Vanderlip, do Havaí. Link |
Se
toda a produção mundial de plástico cessasse AGORA, tudo o que já foi produzido
fará com que os organismos convivam com isso por um futuro indefinido. Muito
mais do que milhares de anos.
Tartarugas também morrem aos milhares nas teias fantasmas... |
Um
estudo feito a partir de carcaças de gaivotas jogadas pela maré nas praias do
Mar do Norte, na Inglaterra, constatou que havia plástico em 95% dos cadáveres,
numa média assustadores de 44 peças para cada ave. Num homem, tal volume
estomacal chegaria aos 2,3kg.
Obviamente não dava pra dizer que todas tinha morrido em decorrência do plástico engolido mas, em muitos casos, seus intestinos foram obstruídos pelo volume indigerível, resultando numa constipação fatal.
Se
animais grandes como gaivotas e tartarugas estão comendo plástico (e morrendo),
e se esse mesmo plástico está se quebrando em partículas menores, é de se
considerar que o mesmo acabará entrando na cadeia alimentar de organismos
também cada vez menores - especialmente detritívoros e/ou filtradores, como
poliquetas e cracas. E quando se tornarem pequenos o suficiente, até o
zooplâncton os consumirá.
Agora
vocês digam que é "exagero" e "sensacionalismo" aquelas
fotos de focas se enforcando em embalagens de cerveja, tartarugas deformadas
por rodas de carrinhos de brinquedo, golfinhos afogados em redes perdidas,
tartarugas sufocadas por sacos plásticos e gaivotas entupidas de toda sorte de
detritos.
Mas
uma boa idéia, já que não vamos parar nunca de fabricar plástico, seria a de
acrescentar a eles aditivos que os enfraquecessem quando expostos ao sol e seus
raios ultravioleta. Isto poderia, por exemplo, salvar a vida de muitos animais
marinhos – embora não resolvesse o problema in totum, ao menos o amenizaria.
A
merda é que o plástico pode até se fotodegradar, mas isto demora muito mais a
acontecer quando o mesmo se encontra justamente na água. Quando em terra, ele
absorve o calor das ondas solares infravermelhas e fica mais quente que o ar à
sua volta. No mar, ele além de ser naturalmente resfriado pela água, ainda é
protegida pela camada de algas e/ou cracas que se fixam nele.
Outro
problema é que, mesmo que o plástico se fotodegrade, sua natureza química
tóxica não vai mudar por casa disso por centenas, até milhares de anos. Assim,
mamíferos e aves marinhas poderiam até ser salvas num primeiro momento, mas os
resíduos tóxicos de sua degradação continuariam no oceano, sendo consumidos por
organismos menores que seriam por sua vez caçados por outros maiores até
chegar... nos mamíferos e aves marinhas. Ou seja, indiretamente, elas ainda
seriam vítimas do plástico.
Plástico
é sempre plástico. É sempre um polímero. O polietileno não é biodegradável numa
escala praticável de tempo. Não existem mecanismos no ambiente marinho capazes
de destruir uma molécula tão grande.
... assim como focas, leões-marinhos... |
E
não se engane quanto às embalagens "biodegradáveis"... isto
simplesmente não existe! A grande maioria não passa de uma simples mistura de
plástico com celulose. Depois que o amido se quebra, tudo que sobra... é
plástico, tão normal quanto o de qualquer outra embalagem.
... e até mesmo crocodilos marinhos! |
Mas
não parece ser muito provável que eles e outros que sejam fabricados seguindo o
mesmo princípio substituam o plástico original feito a partir do petróleo. Por
exemplo, se a ideia é embalar comida, não parece ser muito inteligente fazê-lo
com um material que encoraja as bactérias a comê-lo.
Aqui
cabem dois pontos interessantes: 1) parece haver mais empenho em se criar uma
bactéria que produza plástico “natural” do que em uma que destrua o plástico
artificial; e 2) parar de produzir plástico a partir de hidrocarbonetos é uma
alternativa, mas ainda precisamos pensar em todo o plástico já produzido que
ainda se encontra no meio-ambiente. Reaproveitá-lo ou ao menos livrar o mundo
natural dele, compactando-o em locais específicos para este fim.
Estão
percebendo o tamanho da sinuca de bico na qual nos enfiamos? Criamos e passamos
a depender totalmente de uma substância absolutamente volátil e poluente, para
a qual simplesmente não existe uma forma eficaz de substituição. Talvez seja a hora de começarmos a
considerar o plástico como um lixo diferente dos demais, assim como já
sabemos que o são as baterias de nossos celulares e as pilhas comuns.
Depois
de tudo isso, você pensa: será que algum dia o plástico terá fim?
Leão-marinho estrangulado por rede de nylon. |
Mas
um dia, como todo bom hidrocarboneto (= derivado de petróleo), o plástico vai
se degradar. O problema é que isto se dará numa escala de tempo tão grande que
poucos serão os efeitos práticos se não pararmos de produzí-lo. Todavia,
se ele não pode se biodegradar em um período satisfatório, poderá quem sabe
fotodegradar num tempo até razoável.
Isto
porque, quando hidrocarbonetos se degradam, suas moléculas poliméricas se
desmontam nos componentes originalmente combinados para criá-las: dióxido de
carbono e água. Mas quando se fotodegradam, a radiação ultravioleta do sol
enfraquece a resistência do plástico à tensão, quebrando as moléculas longas e,
já que a resistência do plástico depende do comprimento de suas cadeias
moleculares, quando os raios UV as quebram, ele finalmente começa a se
decompor.
Um
exemplo disso são as embalagens que ficam muito tempo em ambiente iluminado
pelo sol. Após um tempo, elas começam a amarelar e mesmo a se quebrar sobre si
mesmas, quando as tentamos erguer. Geralmente isso acontece com recipientes de
polietileno. Os fabricantes sabem disso, e frequentemente adicionam à fórmula
do plástico aditivos químicos para torná-lo mais resistente aos raios
ultravioleta.
Mas
vamos lá, pensemos positivo. Digamos que tudo isso funcionasse perfeitamente,
que conseguíssemos encontrar um substituto barato, farto, eficiente e
inofensivo (puts, quantas exigências!) e que a humanidade nunca mais produzisse
um único nurdle sequer... por quanto tempo nós ou o planeta ainda teria
de conviver com o plástico já existente?
Vejam bem, as
pirâmides do Egito preservaram por 4 mil anos papel, sementes e até partes
humanas, como cabelos, porque foram eficientemente seladas para impedir a
entrada de luz solar, além de não renovar o ar (= pouco oxigênio) e
praticamente não ter umidade. Nossos depósitos de lixo são similares nesse
sentido: o plástico soterrado sobre metros e mais metros de lixo se encontram
em condições semelhantes, e assim, vão permanecer por muitos e muitos milhares
de anos. Outro ambiente bastante parecido é o fundo do mar. Se todo o plástico que afunda é recoberto por sedimentação e está num ambiente sem luz e com pouquíssimo oxigênio,
além de extremamente frio, pode ficar lá para sempre.
Este tipo de atitude é extremamente válido, mas se não houver o devido cuidado após o recolhimento, ano que vem eles estarão recolhendo exatamente as mesmas peças de plástico. |
Levou
muuuuuito tempo para que os micróbios aprendessem a quebrar hidrocarbonetos
naturais em suas partes componentes, quando apareceram as primeiras plantas
capazes de produzir lignina e celulose. E olha que, molecularmente falando, a
lignina é bem mais complexa do que o plástico. Mais recentemente, elas aprenderam
até a comer óleo. Mas agora elas têm de lidar com hidrocarbonetos artificiais,
aditivados por outras substâncias igualmente artificiais e além de tudo
tóxicas, e convenhamos, 70 anos é muito pouco para que desenvolvam o aparato
bioquímico necessário para atingirem esse objetivo.
Mas,
mesmo que não façamos idéia de quando, um dia mesmo o plástico mais
resistente... desaparecerá. Mesmo que os microorganismos jamais consigam
degradá-lo, não esqueçamos que, além do tempo biológico, também temos o tempo
geológico. Mesmo todo o plástico flutuante uma hora acabará recoberto por
algas, cracas ou colônias bacterianas que o farão afundar. A tectônica de
placas invariavelmente os levará a camadas mais profundas, onde as alterações
de relevo e pressão acabarão transformando-o em outra coisa. As gigantescas
florestas do Carbonífero passaram por esse processo, e é graças a ele que hoje
temos carvão e petróleo. Foi a geologia, e não a biologia, que fizeram-nas
passar por esta transformação. É até mesmo possível que, com o tempo geológico
correto, nenhum indício de plástico sequer sobre para contar a história.
Será que, no fim, não será nossa inteligência, mas sim a biologia e a geologia que resolverão o problema? É esperar pra ver.
Será que, no fim, não será nossa inteligência, mas sim a biologia e a geologia que resolverão o problema? É esperar pra ver.
Links:
Também retirei MUITO (e excelente) material do fabuloso livro O Mundo sem Nós (Ed. Planeta do Brasil, 2007), de Alan Weisman.