terça-feira, 15 de janeiro de 2013

De onde você (REALMENTE) veio?



A questão parece um tanto simples, mas pode ter infinitas respostas, dependendo das infinitas linhas de pensamento (pra ser gentil).
Mas é aquela típica pergunta que abre espaço para uma série de outras questões relacionadas... além de ONDE, você pode se perguntar POR QUÊ apareceu aqui, COMO chegou ou DESDE QUANDO está aqui. E todas estas podem ter respostas igualmente diferentes dependendo da sua capacidade de entendimento (ainda tentando ser gentil).

Não sei porque tantas pessoas sentem ojeriza ou mesmo negam
nosso parentesco com eles. Já a vergonha deles é perfeitamente
compreensível.
Para os céticos, a resposta é científica: somos produto de um longo processo darwiniano de evolução biológica que durou centenas de milhões de anos – e que ainda está acontecendo, com infinito potencial de continuidade enquanto existirmos. Viemos de um ancestral tão distante quanto simples em se tratando de complexidade, que foi lenta e gradativamente mudando até chegar à forma que temos hoje.
A vantagem deste raciocínio é que temos provas e evidências para defendê-lo. Cada fóssil encontrado é uma prova indelével da evolução da vida no planeta. E existem milhões de fósseis, descobertos e ainda a descobrir. A evolução é contínua e mensurável, o que a faz excluir qualquer agente sobrenatural  algo simplesmente pavoroso para os religiosos mais fanáticos.

Para os religiosos, aí a coisa complica... isso porque, dependendo da religião, você pode ter vindo de inúmeros lugares e das mais inúmeras e malucas formas que somente a nossa imaginação poderia conceber... para os cristãos, por exemplo, passamos da matéria inanimada para a forma de vida atual num único ato, que foi quando deus juntou um montinho de barro, fez um bonequinho e soprou nele, transformando-o em homem, Adão – e depois arrancou-lhe um pedaço (no caso uma costela) para criar a primeira mulher, Eva. A essa doideira damos o nome de Criacionismo, e isto NÃO É teoria: é uma suposição baseada num livro (que diz-se ter sido) escrito por pastores do Oriente Médio da Idade do Bronze. A única forma de você achar que isto é verdade é simplesmente acreditar que é, uma vez que não existe NENHUM indício de que esta baboseira tenha acontecido. Nenhunzinho sequer.
Detalhe: o criacionismo cristão é só UM dos exemplos... existem tantos quantas as religiões no mundo. Só o citei por ser o mais familiar entre os brasileiros.
Aliás, eu realmente não entendo como os cristãos não percebem as centenas de inconsistências de sua opção... como a de um deus que cria um universo inteiro a partir do nada mas precisa de uma costela pra fazer uma mulher... maaaaas, desta vez (E SÓ DESTA VEZ) não vou descer o cacete nas religiões.

Aprender sobre evolução requer alguns conhecimentos prévios acerca da mesma – e se você ainda não os tem, pode saber um pouco mais em outro artigo meu, este aqui.
Não é fácil apontar exatameeeente quais foram nossos ancestrais diretos e de quem exatameeeente somos descendentes, e quanto mais distantes eles forem, mais difícil ainda, e por um motivo bem simples: o DNA de fósseis tão antigos obviamente não consegue chegar até nossos dias. Embora o DNA mitocondrial possa se manter por décadas bem conservado e resistindo às mais adversas circunstâncias (em contraste com o DNA nuclear, que começa a se degradar poucas horas após a morte), ele pode chegar a um máximo previsto de 6,8 milhões de anos  e isso em circunstâncias ótimas. Ou seja, não pode sobreviver por dezenas de milhões de anos (muito menos por centenas de milhões), e a ciência ainda não conseguiu criar uma maneira de recuperá-lo.
Frise-se bem: AINDA! Até alguns anos atrás acreditava-se ser impossível saber a cor da pele dos dinossauros até que descobriu-se como, através de melanossomos fossilizados no fóssil de um Sinosauropteryx. Um dia encontrar-se-á um jeito de analisar o DNA dos nossos ancestrais de 0,5 bilhão de anos atrás mas, por hora, temos que trabalhar com aproximações.

Desenvolvimento fetal da cabeça humana, mostrando a origem das principais estruturas a partir dos arcos branquiais originais.

Contudo, não vou aqui abranger algo tão grandioso como origem e evolução da vida na Terra (senão teríamos um artigo monstruosamente grande e inaplicável para um blog) nem tão limitado quanto a simples evolução do ser humano moderno (porque não iria conseguir mostrar o que realmente quero). Ao invés disso, vamos nos concentrar especificamente no surgimento do FILO no qual nos encontramos, o Chordata, e acompanhá-lo até chegar em nossa atual forma anatômica.
Outra coisa importante: este artigo vai acompanhar especificamente e tão apenas a evolução da vida até chegar ao HOMEM, ou seja: não veremos sapos, aves, tartarugas, dinossauros ou quaisquer mamíferos que não sejam primatas por aqui, simplesmente porque não são nossos ancestrais diretos.
Quer saber por que tem dentes? Ou a quem deve suas orelhas? Ou graças a quem você tem olhos ou cabelos? Ou por que tem 05 dedos e não 04 ou 06 ou 07? Ou a quem agradecer por seus pulmões? Então continue lendo, porque vou tentar lhe mostrar a origem de todas as características que fazem de você... você.

"Então eu sou um Filo Chordata"!? Não, você é DO Filo Chordata (isso é latim e lê-se cordata), que é definido por algumas características simples, mas que o separa de todos os outros grupos de animais:

  • Notocorda - um "cordão" de colágeno que se estende por todo o comprimento do corpo, guiando o crescimento da estrutura a seguir. A notocorda se transforma na coluna vertebral nos animais com esqueleto.
  • Tubo neural - um tubo (dããã) que se transforma na medula espinhal, que fica protegida pela já citada coluna vertebral.
  • Fendas faríngeas - pequenas aberturas na faringe que se transformam em coisas distintas conforme o grupo de animais: nos peixes se transformam nas brânquias; nos outros animais, tendem a fechar-se e desaparecer.
  • Cauda pós-anal - não há muito o que dizer além do que o próprio nome sugere, certo? Uma cauda que se forma após (ou atrás ou acima dependendo do ponto de observação) do orifício anal.

Pronto. Tendo tudo isso, é um cordado sem erro. Todos eles têm todas essas características ao menos em algum estágio de sua vida – inclusive você.

Animação mostrando a evolução da face humana, desde a fase
embrionária até o bebê final. Note a transformação pela qual
cada arco branquial passa.
É, você mesmo. Quando era um embrião você já teve sim, tudo isso. Sua atual coluna vertebral é no que se transformou sua notocorda; e sua cauda pós-anal regrediu e se transformou neste cóccix no qual você está sentado neste exato momento; suas fendas faríngeas à muito se fecharam para sempre; e seu tubo neural é, hoje, sua medula. Na verdade a maior parte dos cordados também só têm tais características durante a fase embrionária da vida (com exceção da cauda). Depois elas ou se transformam em outras coisas ou desaparecem  mas mesmo quando isto ocorre dá lugar a outras coisas (como você vai saber já já).
As fendas faríngeas existem porque, quando somos fetos, respiramos por brânquias dentro do útero cheio de líquido, e cada arco branquial vai dar origem a uma série de estruturas da sua cabeça e pescoço, como traquéia, osso hióide, mandíbula, língua, nariz e ouvido. E conforme eles evoluem, aquelas fendas faríngeas de que já falamos vão se fechando, para sempre. Com efeito, nosso desenvolvimento fetal é, a grosso modo, uma viagem pelo nosso passado evolutivo.

Comparação entre o desenvolvimento embrionário de diferentes espécies de vertebrados, das lampréias ao seres humanos. Repare na incrível semelhança que todos têm nos estágios iniciais, exatamente porque todos começam da mesma maneira, desenvolvendo as mesmas estruturas básicas para, só depois, começarem a se diferenciar de verdade. A semelhança se torna ainda mais gritante entre os 05 últimos.

Mas nem a tão grosso modo assim! No início somos perturbadoramente parecidos com um peixe, com brânquias para respirar e longa cauda. Com o passar das semanas, algumas estruturas somem e outras se transformam, desenvolvendo órgãos internos e apêndices locomotores externos (inicialmente parecidos com nadadeiras, depois transformados em mãos e pés), enquanto sofremos diversas transformações fisiológicas e anatômicas até chegarmos ao que somos no momento do nascimento. Em última instância  nós só nascemos porque ficamos grandes demais e desenvolvemos pulmões, que não podem funcionar dentro de um ambiente aquático como o útero.
Meio bilhão de anos... em nove meses.

Bom, agora que você já sabe o que é um cordado e o que ele tem que ter, vamos iniciar nossa incrível jornada.

Xidazoon stephanus, do filo Vetulicolia:
provável precursor dos cordados.
Ela tem um prólogo no Período Cambriano da China, a 525 milhões de anos atrás. Na Terra daquela época estava ocorrendo a chamada Grande Explosão Cambriana, nome que se dá à primeira grande expansão da vida em nosso planeta, simultaneamente em vários lugares do mundo, indicando que as condições na Terra primitiva de então eram ótimas para o desenvolvimento da vida. Lá foram encontrados fósseis muito estranhos, nunca antes vistos, pertencentes a criaturas do Filo Vetulicolia, que muitos pesquisadores sugerem ser o antecessor dos cordados, embora isso nem de longe seja unanimidade (outros defendem que sejam os ancestrais dos artrópodes). A confusão se deve porque esses fósseis são muito antigos e, por serem de animais invertebrados, sem esqueleto, bastante difíceis de se estudar. Embora não apresentem uma notocorda, possuíam fendas branquiais laterais, cauda pós-anal e boca na extremidade anterior do corpo.

Agora vamos para o Canadá de 530 milhões de anos atrás, que é onde a coisa começou pra valer: é lá que foram encontrados os fósseis do verme marinho Pikaia gracilens, o mais antigo ancestral conhecido dos vertebrados, extintos ou ainda existentes: peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Esse bichinho foi o primeiro (ao menos encontrado até o momento) com a presença inconfundível de uma notocorda, além de uma cauda e brânquias bastante evidentes. Ainda hoje temos um animal muito similar a ela em nossos mares, o anfioxo (Branchiostoma sp.).
Apesar de mais antiga que os Vetulicolia, a Pikaia provavelmente teve um ancestral algo parecido com eles.

Até então, a única estrutura presente na extremidade frontal de nossos ancestrais era a boca. Ela era a parte do corpo que mais entrava em contato com o meio ambiente. E foi por causa dela que todas as outras surgiram. Para encontrar comida, eles precisavam desenvolver novas formas para detectar a mesma. Novas formas de percebê-la. Novas formas... de senti-la.

Yunnanozoon lividum, um dos mais antigos
vertebrados (vértebras ainda constituídas

por cartilagem).
E como se sente a comida até hoje? Vendo-a e cheirando-a. A busca por novas fontes de alimento foi continuamente testando e moldando novas estruturas anatômicas, que foram se formando sempre em torno da boca. Com muito mais informação sendo recolhida por essas estruturas, uma parte do cordão nervoso acabou por inchar  e temos aí o precursor do cérebro. Para proteger tudo isso iniciou-se o desenvolvimento de uma "caixa" de tecido mais rígido: o crânio. Logo esta novidade acabou por acompanhar também a medula espinhal, e assim apareceu a coluna vertebral. Contudo, ambos ainda eram constituídos por cartilagem. Osso era uma coisa que ainda não existia.
Todas estas estruturas formaram a parte do corpo conhecida como cabeça. E elas têm uma sequência de surgimento.

Myllokunmingia fengjiaoa, um dos primeiros
vertebrados com órgãos fotorreceptores.
Um desses vermes "quase-peixes" possuía células fotossensíveis que cobriam a superfície ventricular de seu cérebro. Para auxiliar na captura de mais luz esta região se expandiu, inchando lateralmente para fora do mesmo. Com o desenvolvimento do crânio, essas regiões fotorreceptoras laterais se tornaram ainda mais capazes de absorver luz, expandindo ainda mais lateralmente. E assim nasceu o olhoDentre os vertebrados, Haikouichthys e Myllokunmingia, ambos ainda do Período Cambriano, foram alguns dos primeiros a possuírem olhos.

Ainda hoje temos animais com esses prováveis olhos pioneiros: os peixes-bruxa (Myxiniformes) possuem olhos pequenos, completamente desprovidos de quaisquer sinais de lente, íris, córnea e músculos, estrategicamente localizados sob uma região de pele translúcida despigmentada. Tais órgãos funcionam nada mais como receptores de luz, para regular o ciclo circadiano, sem qualquer capacidade para formar imagens ou perceber cores. Até mesmo as improváveis ascídias têm um órgão fotorreceptor, ainda que apenas durante a fase larval de sua vida.

Jamoytius kerwoodi, o primeiro vertebrado com
olho tipo câmera.
Diferentemente de orelhas ou ossos, órgãos sensíveis à luz não são uma exclusividade (ou mesmo novidade) dos animais superiores: águas-vivas, ostras e planárias também os possuem. Na verdade, não é exclusividade nem mesmo do Reino Animal: a Euglena, uma alga unicelular microscópica, possui um acessório similar. A bioquímica para percepção luminosa é exatamente a mesma em todos os tipos de olhos. Nada menos que 96% de todos os animais do planeta possuem algum mecanismo de fotorrecepção, mesmo que sejam simples ocelos.

O nosso tipo de olho, o olho-câmera, consiste basicamente de uma esfera com um furo por onde entra a luz solar. Isto por si só já seria suficiente se recebêssemos muito mais luz do que normalmente recebemos do sol. Como não é o que acontece, nosso olho ainda é equipado com uma lente, que amplia a área iluminada no fundo do olho, que é revestido por células fotossensíveis que mandam a informação para o cérebro traduzir em imagens. Essa absoluta maravilha é tão fantástica, tão bem construída, que o próprio Darwin questionou se ela era mesmo resultado da evolução natural.
Mesmo esse tipo avançadíssimo de olho não é exclusividade dos vertebrados: os cefalópodes (polvos e lulas) também conseguiram desenvolvê-los de forma totalmente independente.

Peixe-bruxa (Eptatretus cirrhatus). O ponto esbranquiçado
na cabeça é seu órgão fotorreceptor, bastante similar aos
dos primeiros vertebrados.

Seja como for, a introdução do olho-câmera nos vertebrados ensejou a 01ª grande "corrida armamentista" da nossa linhagem, no Período Siluriano de 440 milhões de anos atrás. Com uma visão melhor, nossos antepassados subaquáticos puderam encontrar alimento com muito mais facilidade, e a competição entre eles tornou-se muito mais intensa. Eles eram parecidos com lesmas e viviam no fundo, se escondendo dos grandes predadores artrópodes equipados com sua característica visão composta.
Mais tarde e mais evoluídos, os descendentes desses peixes subiram para os níveis mais claros próximos à superfície, e seus olhos passaram de um mero medidor circadiano para um formador de imagens, graças à lente que haviam conseguido desenvolver e que lhes permitia agora competir em pé de igualdade com os invertebrados, outrora seus perseguidores.

Pharyngolepis oblongus. Primeiras nadadeiras e
cobertura inicial de escamas.
O olho, como já dito, permitiu um desenvolvimento até então sem igual dos vertebrados. Diversos novos grupos de peixe bastante variados começaram a aparecer, extremamente diferentes entre si não fosse por um detalhe comum a todos: a falta de mandíbula.
Mas sua extrema diversificação fez surgir uma outra peça-chave em nossa evolução: como eram nadadores, apêndices laterais acabaram se tornando muito úteis para fazê-los se movimentar com mais rapidez. Quanto maiores e mais fortes, mais eficientes... e isso deu origem aos membros  por enquanto, apenas sob a forma de espinhos.

O registro fóssil sugere que os Agnatha primitivos já tinham um labirinto bem desenvolvido com até 07 canais semicirculares (os atuais têm no máximo 03). Estas estruturas foram os primórdios do ouvido, inicialmente usadas para captar vibrações na água, e não ondas sonoras.

Classe Pteraspidomorphi, primeiros vertebrados a
desenvolverem ossos.
Outro grande avanço conseguido também nesta época foi no quesito proteção: um grupo de peixes conhecidos como Pteraspidomorphi desenvolveram fortíssimos escudos formados por ossos dérmicos que lhes cobriam a cabeça até metade do corpo, tão resistentes que, ainda hoje, só os conhecemos através destes escudos fossilizados. Pois é... os primeiros ossos eram por fora, não por dentro. E, como tinham função de revestimento, acabaram sendo os precursores das escamas, que até hoje recobrem seus parentes.
Lembra daqueles espinhos que citei à pouco? Eles eram projeções deste exoesqueleto ósseo que começaram a ser usados para direcionamento dentro da água. Alguns desses peixes também conseguiram desenvolver dobras de tecido, que usavam para ondular a água ao redor. Daí para o aparecimento de nadadeiras verdadeiras foi um pulo mas, inicialmente, apareceram apenas as nadadeiras caudal e dorsal ou ventral, sem as laterais.

Classe Thelodonti, apresentando maior variação
de nadadeiras.
Mas todos eles, apesar de já bastante avançados em algumas características (cérebro, olhos, nadadeiras) ainda se limitavam a alimentação por filtragem, no máximo capturando um ou outro animal lento de corpo mole, como vermes ou pequenos moluscos sem concha. Talvez alguns até fossem parasitas, como ainda o são até hoje as lampréias e peixes-bruxa, os últimos agnatos ainda viventes. Este problema foi resolvido de forma bem simples  da mesma forma que você quando é um feto entre 08 e 09 semanas de vida: dobrando-se os arcos branquiais para transformá-los... na mandíbula.

Esse osso foi um marco importantíssimo na história dos vertebrados. Talvez a revolução anatômica mais importante de toda a história do grupo! Tanto que quebrou os vertebrados em duas divisões: Agnatha (sem mandíbula) e Gnathostomata (com mandíbula). A partir daqui, deixamos oficialmente os agnatos para trás.
Voltando à mandíbula, ela formou a partir da dobra de arcos branquiais conforme dito, e proporcionou aos que a possuíam uma disponibilidade praticamente infinita de alimentos que os agnatos não tinham como aproveitar. Com uma boca que se abre e fecha, os peixes podiam morder a flora marinha, outros animais... e também uns aos outros. E assim nasceu a relação predador/presa entre os vertebrados. E assim também as brânquias restantes deixaram de participar da alimentação (por filtragem) para se dedicarem exclusivamente à respiração.

Foi assim que a mandíbula surgiu, através do dobramento dos 03º e 04º arcos branquiais.  A evidência que temos para isto é que as maxilas são constituídas do mesmo material que forma os arcos branquiais (cartilagem derivada da crista neural). Nas imagens vemos esquemas de um agnato, um acantódio e um tubarão.

Além disso, a possibilidade de caçar forçou os peixes a serem mais eficazes também na velocidade, e isto significou o fim dos peixes agnatos encouraçados que dominavam os oceanos até então. Eles eram pesados e lentos demais em suas armaduras. Sem elas, os peixes se tornaram mais velozes e mais fortes também, com o subsequente desenvolvimento da musculatura corporal.

Com o advento da mandíbula, uma parte do intestino acabou ampliando-se para conseguir comportar grandes pedaços de comida: e foi assim que apareceu o estômago
Ela foi tão importante que, hoje em dia, quase não existem mais peixes agnatos.



Classe Placodermi, os primeiros vertebrados com
mandíbulas.
Os primeiros peixes "mandibulados" foram os Placodermi,  uma classe de peixes que, justamente por estarem equipados com mandíbulas, cresceram rapidamente e se tornaram os soberanos dos mares. Um deles, o Dunkleosteus, chegou a ter mais de 10 metros de comprimento.
Existe uma suspeita sobre os Placodermi de que eles podem ter sido os primeiros vertebrados a desenvolver pulmões, milhões de anos antes das primeiras linhagens terrestres, mas seus fósseis são incompletos demais para termos esta certeza. De qualquer forma, é sabido que outros peixes também os desenvolveram, não com o propósito de respirar, mas sim para ajudar na flutuação dentro d'água. Ou seja, pulmões são estruturas ancestrais, dos primeiros peixes mandibulados, e não uma novidade evolutiva que só vai aparecer quando eles tentarem sair da água, então vamos voltar a falar deles só quando forem importantes.
O próximo passo foi equipar aquelas mandíbulas para se tornarem mais eficazes no sentido de prender, matar e triturar alimento. Do que estamos falando? De dentes!
Os Placodermi até tentaram, desenvolvendo extrusões ósseas em suas mandíbulas que até serviam como dentes. Mas foram os Acanthodii, mais uma vez, os responsáveis pela inovação. É à eles que nós (e todos os outros vertebrados que têm ou já tiveram dentes) devemos nossos sorrisos.



Classe Acanthodii, os primeiros vertebrados com
dentes e nadadeiras semi-raiadas, suportadas por
grandes espinhos.
Sabe aquele tipo de questão absurda em que duas dúvidas absolutamente antagônicas são colocadas lado a lado (ex: se o pato bota ovo, por que o elefante tem tromba?)? Em biologia evolutiva tem uma similar, mas que faz total sentido: se os peixes tem escamas, por que nós temos dentes? Porque os dentes evoluíram a partir delas. Sim, os dentes nada mais são que escamas modificadas. 
Na verdade, os primeiros dentes apareceram FORA da boca. Eram escamas, espalhadas por toda a face daqueles peixes. À medida que as que se encontravam próximas à boca e começaram a ajudar a segurar alimento, estas foram se concentrando ao redor dela, até que migraram de vez para seu interior, enquanto aquelas outras, sem utilidade, acabaram por desaparecer. Alguns fósseis de Acanthodii mostram isso bastante claramente.
Acanthodii e Placodermi apareceram "quase" simultaneamente, na passagem do Ordoviciano para o Siluriano, e no Devoniano já haviam aqueles peixes que conseguiam sair da água. Foi talvez a época mais importante quanto à variação dos vertebrados, preparando-os para sua posterior diversificação e domínio sobre todos os ambientes da Terra. Mas isto vamos ver logo mais abaixo.

Dediquei tanto texto à mandíbula para que você tenha realmente noção do quanto ela foi importante para nossa linhagem. Aparentemente uma invenção simples (um mecanismo bucal que abre e fecha), é por causa dela que os peixes conseguiram se diversificar dessa forma e deram origem a todos os outros grupos de vertebrados que existem ou existiram. Só tem mais uma coisa relevante para saber a respeito das primeiras mandíbulas: eram formadas por vários ossos, que se encaixavam. Isto vai ser muito importante no futuro (continue lendo).

Cheirolepis trailli, um dos mais antigos peixes
ósseos conhecidos (repare na grande
semelhança com os Acanthodii).
Até o início do Período Devoniano, a 415 milhões de anos atrás, todos os grupos de peixes já tinham aparecido, razão pela qual este período também é conhecido como "A Era dos Peixes". Em um espaço excepcionalmente curto de tempo (em termos geológicos) as principais linhagens de peixes, atuais e extintas, surgiram e conviveram por quase 50 milhões de anos. De um início tímido os peixes acabaram se tornando a forma de vida dominante na cadeia alimentar aquática mundial.
Também já estava lá o próximo grupo que nos interessa: os Osteichthyes, peixes com esqueleto formado por osso (lembre-se que os Pteraspidomorphi já haviam conseguido produzir tecido ósseo, mas não em seus esqueletos). Embora tenham aparecido no final do Siluriano (muito provavelmente) a partir dos Acanthodii, se mantiveram "na berlinda" até o Devoniano, quando os Placodermi e os grandes tubarões recuaram e lhes cederam lugar. Apesar de só terem se diversificado pra valer nos últimos 50 milhões de anos, hoje eles formam o grupo mais variado de vertebrados que existe, com 27 mil espécies já identificadas, quase o triplo do segundo grupo mais numeroso, o das aves (com 10 mil)  e este número pode ser muito maior.
À que se deve esse sucesso? Primeiramente à extensão de seu habitat: a água cobre 73% da superfície da Terra (e essa porcentagem era maior ainda no passado) e eles são capazes de sobreviver em todos os ambientes aquáticos, sejam frios, quentes, claros, escuros, salobros ou doces. Depois, à sua incrível capacidade de produzir novas espécies, mais rapidamente até mesmo que os insetos.

Psarolepis romeri, um dos primeiros Sarcopterygii.
Assim que surgiram, os Osteichthyes logo quebraram-se em duas linhagens: Actinopterygii (peixes com nadadeiras raiadas) e Sarcopterygii (peixes com nadadeiras lobadas). Não se sabe se estes últimos descendem dos Actinopterygii ou dos Acanthodii. Os Sarcopterygii mais antigos realmente se parecem com os Acanthodii. As posições filogenéticas aqui ainda não estão muito claras.

Mas isto não atrapalha nossa viagem. O que é fato é que os Sarcopterygii apareceram bem quando os Placodermi dominavam os mares, razão pela qual alguns deles encontraram refúgio em habitats de água doce.
Eles se dividiram em 02 grupos: Actinistia (celacantos, que se mantiveram no mar) e Rhipidistia (os que seguiram para a água doce e desenvolveram pulmões). Este último grupo ainda se quebrou em mais 02: os Dipnoi (peixes pulmonados que se mantiveram na água) e seus descendentes, os Tetrapodomorpha (aqueles que iriam sair da água). É nesse que a gente vai pegar carona agora.


Enquanto isso, lá em cima, na terra firme do fim da Era Paleozóica, a expansão das plantas (que já haviam conseguido chegar lá muito antes) e em seguida dos invertebrados (idem) encheram o mundo seco de comida, possibilitando uma nova oportunidade para os vertebrados, mas também exigindo-lhes novos horizontes evolutivos. Quatro grandes problemas os desafiavam: gravidade, locomoção, respiração e desidratação (da pele e dos ovos).

A mandíbula certamente foi a maior conquista anatômica de toda a história dos vertebrados, mas a passagem da água para a terra foi o capítulo mais dramático pelo qual nossos ancestrais passaram.

Dipterus valenciennesi, um dos primeiros a
usar pulmões para respirar.
Corpos hidrodinâmicos são totalmente inúteis fora da água, mas um esqueleto que suporta o corpo contra a força da gravidade é essencial, uma vez que a água praticamente anula o peso. A respiração também é diferente, brânquias não funcionam no ar porque os filamentos branquiais colapsam uns sobre os outros sem o suporte da água. Quando isso acontece, a superfície disponível para as trocas gasosas é muito reduzida e os animais branquiados morrem asfixiados. Os terrestres então precisam de uma estrutura respiratória que mantenha sua integridade. Idem com relação à locomoção: nadadeiras são muito eficientes dentro d'água, mas de nada servem fora dela. Além disso, ovos não precisam de proteção contra ressecamento dentro d'água, mas fora dela a coisa muda drasticamente.
Apesar de todas as mudanças pelas quais passavam e ainda estavam passando, esses animais ainda eram peixes, animais essencialmente aquáticos, e TUDO que seria útil para a vida na terra evoluiu inicialmente para funcionar na água. É bastante claro no registro fóssil que as características dos Tetrapodomorpha não evoluíram porque algum dia seriam úteis para animais que viveriam na terra. Eles não tinham como saber que o fariam no futuro. Elas foram desenvolvidas porque eram vantajosas para quem ainda estava na água.

Eusthenopteron foordi, o antepenúltimo peixe da
nossa jornada, já apresentava um padrão craniano
típico de vertebrados terrestres e também os mesmos
ossos dos membros que nós temos hoje.
Os Dipnoi evoluíram os primeiros proto-pulmões e proto-membros, criando condições para viver fora d'água na segunda metade do Período Devoniano (entre 397 e 385 milhões de anos).
Não se sabe o motivo exato desses peixes terem criado patas. Existem 03 hipóteses principais, mas a mais promissora é a última, chamada "hipótese da floresta", segundo a qual os membros podem ter se desenvolvido em corpos de água rasos de florestas ou mangues, como forma de navegar em ambientes cheios de raízes e vegetação. Ela se baseia sobre a evidência de que os fósseis de transição água/terra são constantemente encontrados em habitats que eram várzeas úmidas e arborizadas em sua época. Isto é promitente uma vez que lugares assim, com vegetação  subaquática densa, geralmente são encontrados em pântanos ou ao menos como na foz dos rios. E com certeza você se lembra daqueles peixes que, para evitar os Placodermi, se refugiaram em água doce, né?

Vendo as figuras você pode até pensar "mas esses peixes são todos iguais"... nada mais longe da verdade, curioso leitor. O fato é que, internamente, todos eles estão passando por mudanças cruciais, importantíssimas  que vão fazer a diferença AÍ, EM VOCÊ.
O mais difícil e demorado de tudo foi desenvolver todas as estruturas anatômicas e ciclos fisiológicos e bioquímicos para "construir" um vertebrado. Ficamos tanto tempo nos peixes porque, com algumas poucas exceções, praticamente TUDO que temos hoje foi conseguido por eles. A evolução agora vai ser muito mais rápida e concentrada mais em mudanças fisiológicas e bioquímicas do que meramente anatômicas, mas é nesta última que vamos dar mais ênfase, por ser de entendimento e visualização mais simples.

Panderichthys rhombolepis, o penúltimo peixe. Já
possui apenas 04 nadadeiras laterais e estas têm

ossos radiais (precursores dos dedos).
Láááá atrás eu disse que os pulmões talvez já fossem uma característica ancestral, bastante antiga dos vertebrados, não originalmente concebido para respirar fora d'água, mas sim como órgão para controle de flutuação. Só que, fora da água, onde a gravidade é muito mais atuante, ele não teria serventia alguma, e assim a bexiga natatória acabou sendo transformada... em pulmão (em pulmão pra valer). Usá-lo para respirar foi uma adaptação desenvolvida justamente pelos Sarcopterygii. É mais fácil respirar ar do que água porque ele é menos denso e tem uma concentração maior de oxigênio  uma GRANDE vantagem. Agora os peixes já podiam respirar fora d'água, o que é incontestavelmente um avanço monstruoso, mas não o suficiente... como lidar com o peso do corpo, ou se locomover sem patas, ou ainda fazer com que os ovos não ressecassem ao sol? Sem dúvida eram muitas coisas para resolver.

O desenvolvimento de pulmões proporcionou-nos uma fantástica reação em cadeia de eventos. Respirando por eles, o opérculo se fechou para sempre. A perda dos ossos operculares aliada a uma articulação especial entre o crânio e a coluna separou a cintura escapular da cabeça, favorecendo assim o surgimento de um pescoço, que pode estar relacionado ao levantamento do focinho fora d'água para respirar o ar.



Tiktaalik roseae, nosso último peixe, com pescoço,
ombros, cotovelos e pulso. Esse peixe é uma das
mais importantes descobertas paleontológicas de
todos os tempos.
Um pescoço produz espaço para a elaboração dos  nervos que suprem as patas dianteiras. Esses nervos saem da medula espinhal ao pescoço e se unem ao plexo braquial (existe um plexo similar na região sacral para os nervos que suprem os membros traseiros). Os vertebrados terrestres têm uma enervação mais complexa para as patas dianteiras, o que incrementa o controle dos membros e a habilidade de manipulação. Esse exemplo mostra como estruturas anatômicas podem estar relacionadas entre si de maneiras totalmente inesperadas, porque os animais evoluem como um todo integrado. Quem suspeitaria que o fato de nossos ancestrais peixes, tão distantes, começarem a respirar por pulmões, poderia estar relacionados à nossas habilidades de virar a cabeça ou usar nossas mãos para tarefas tais como manipular um computador, assim como você está fazendo exatamente agora?


Além do mais, respirar ar pode ser ótimo, mas a alimentação por sucção não é funcional fora d'água. Por isso a importância de uma cabeça móvel, o que só é possível com um pescoço forte.

Os primeiros peixes Tetrapodomorpha ainda relutaram em sair da água, permanecendo em seu ambiente original até o final do Devoniano (entre 385 e 359 milhões de anos), com o aparecimento dos Tetrapoda (vertebrados de 04 patas). Os Sarcopterygii que não evoluíram para formas terrestres continuaram bastante abundantes até perto do final da era Paleozóica, quando sofreram pesadas perdas durante a grande extinção do Período Permiano, a maior extinção da história da vida na Terra (250 milhões de anos). Depois desse golpe, nunca mais conseguiram se recuperar totalmente  hoje, só existem 08 espécies no mundo todo.

A evolução da pata, mostrando como as nadadeiras foram se reconfigurando para criar braço, antebraço, pata e dedos. Repare na polidactilia dos primeiros vertebrados terrestres. Haviam variadas quantidades de dedos conforme as múltiplas espécies que estavam se aventurando em terra seca (clique para ampliar).

Bom... tudo resolvido? Conseguimos sair da água, temos um esqueleto capaz de suportar o peso do corpo entregue à gravidade, temos pulmões, ouvidos internos, membros articulados, patas com dedos e abandonamos as nadadeiras para sempre. Sabe o que isso significa? Que deixamos os peixes para trás... e nos transformamos em ANFÍBIOS, da Classe Amphibia e da Super-Classe Tetrapoda (vertebrados terrestres).

As espécies do Devoniano superior mostram que os primeiros Tetrapoda eram muito mais aquáticos do que terrestres. Além disso, uma das características mais marcantes do grupo, o membro pentadáctilo (com 05 dedos) não seguiu um caminho evolutivo único. A regra entre os primeiros Tetrapoda era a polidactilia  mais do que 05 dedos. O Acanthostega possuía 08 em suas patas, o Ichthyostega possuía 07 na pata traseira (a dianteira nunca foi encontrada) e o Tulerpeton possuía 06.

Polidactilia em uma criança chinesa.
A bem da verdade, não foi apenas um, mas sim vários grupos de peixes pulmonados que se aventuraram em terra firme. Alguns com mais ou menos sucesso, mas apenas um deles, cuja extremidade dos membros tinha 05 dedos, vingou... e deu origem a todos os vertebrados terrestres, extintos ou viventes. É por esta razão que você tem 05 dedos nas mãos. Poderia ter mais ou menos, dependendo do peixe que conseguisse sobreviver e prosperar no Período Carbonífero de 350 milhões de anos atrás. O que conseguiu tinha 05 dedos. Apenas coincidência, um "golpe de sorte" do nosso ancestral. Às vezes, defeitos nessa numeração faz nascerem animais e mesmo pessoas com mais ou menos dedos que o normal. É a polidactilia.

Acanthostega gunnari, o primeiro anfíbio (ainda
aquático), apenas com a nadadeira caudal.
Os peixes sempre se valeram do olho e da linha lateral para percepção do ambiente ao redor, através de vibrações na água. Só que o ar não é denso o suficiente para ativar as células ciliadas do sistema da linha lateral. Nos peixes Sarcopterygii (atuais e extintos) estas vibrações são captadas na verdade por todo o corpo da criatura, mas principalmente pelas partes densas, como os ossos da cabeça, e de lá para o ouvido interno. Esta estrutura é satisfatória na água porque nela a energia vibracional é suficiente para fazer os ossos densos vibrarem. No ar, contudo, as vibrações têm muito menos energia e, portanto, são mais difíceis de captar. Independentemente destas limitações, é evidente através do registro fóssil que os primeiros anfíbios já tinham um ouvido interno primordial tão logo conseguiram sair da água. As células ciliadas dos vertebrados terrestres são encontradas na orelha interna (no órgão de Corti), e ouvir sons no ar requerer um sistema de alavancas que amplifique a pressão das ondas sonoras assim que são transmitidas do ar para o fluído na orelha interna. Surpreendentemente, os detalhes estruturais do ouvido dos tetrápodes mostram que a audição evoluiu independentemente nas diferentes linhagens dos vertebrados terrestres.

Ichthyostega watsoni, adaptado aos dois ambientes,
com cotovelos dobráveis e nadadeira caudal

(quase ausente).
Também fora da água, os olhos não ficavam mais permanentemente umedecidos, mas este problema foi resolvido de forma tão incrivelmente simples quanto espetacularmente eficiente: com as pálpebras. Não sabemos qual foi o 01º animal "palpebrado", mas com toda certeza foi um daqueles primeiros anfíbios que passaram a viver permanentemente em terra. Piscando, eles passaram a umedecer a superfície do olho... e seus descendentes fazem isso até hoje. Pisque para homenageá-los. ;)

Após o Devoniano, os primeiros Tetrapoda tiveram uma rápida diversificação no Carbonífero: muitos foram provavelmente anfíbios, mas algumas linhagens voltaram à vida aquática e outras tornaram-se cada vez mais especializadas para a vida terrestre. Um evento chave na radiação do grupo pode ter sido a grande diversificação dos insetos no Carbonífero superior, provavelmente em resposta à crescente quantidade e diversidade de vegetação terrestre.
Tão logo surgiram, os anfíbios se distinguiram em duas grandes linhagens: Batrachomorpha e Reptiliomorpha. A primeira é a que originou a maior parte dos anfíbios vivos e extintos, que tiveram distribuição mundial e grande diversidade de formas, tamanhos e cores, mas dos quais não trataremos aqui. A segunda contém os ancestrais imediatos dos principais grupos terrestres que apareceram já no final do Carbonífero.
Entretanto, somente uma das linhagens terrestres dos Tetrapoda da Era Paleozóica fez a próxima grande transição na história dos vertebrados, que foi o desenvolvimento do ovo amniótico que define os vertebrados terrestres. Esqueceu do problema do ressecamento?

Por que os anfíbios não podem ficar muito tempo longe da água até hoje? Por causa de dois problemas que eles nunca conseguiram resolver: 01) pele permeável demais, que resseca rapidamente; e 02) ovos gelatinosos, sem casca, que também secam sob o sol ao ar livre. Vamos ver como cada um foi resolvido.

Pederpes finneyae, o mais antigo vertebrado terrestre
(embora ainda precisasse da água para reprodução).
Repare que as nadadeiras se foram 
– e para sempre.
A abrasão física e evaporação da água pela pele são problemas potenciais para os vertebrados terrestres e a pele dos primeiros Tetrapoda era nua, razão pela qual, mesmo já habilitados a andar em terra, ainda eram essencialmente aquáticos. Com o tempo (e passando cada vez mais tempo fora d'água) adquiriram uma camada córnea que continha células epidérmicas que resistiam à abrasão e lipídios que reduziam a perda d'água. Isso foi o início do desenvolvimento de uma cobertura capaz de livrá-los de uma vez por todas do problema de perda de líquido pela pele. Essa cobertura foi desenvolvida com uma proteína chamada queratina, a mesma que reveste as escamas dos répteis, as penas das aves... e suas unhas e cabelos. Lembre-se disso toda vez que for pentear suas lindas madeixas: você só as possui porque um anfíbio ancestral qualquer conseguiu impermeabilizar a pele com essa substância. Mas calma, por enquanto são apenas escamas.
Por que uma pele permeável como a dos anfíbios típicos, que permite trocas gasosas com o meio ambiente, não era mais tão importante? Porque vertebrados terrestres só dependem de pulmões para respirar, e para isso a pele não precisa estar úmida. Ganha-se uma coisa, perde-se outra.

Diadectes tenuitectus, o primeiro vertebrado amniota.
Finalmente ficamos totalmente livres da água. É o
último anfíbio que vamos ver.
A questão dos ovos também foi resolvida pelos anfíbios. Apesar de (parecer) simples, o ovo é uma estrutura inacreditavelmente complexa, com cada parte executando uma função fundamental. O grande problema era fazer com que ele não secasse fora d'água, o que foi resolvido com... a casca. Por mais estranho que pareça, foi isso que permitiu aos vertebrados se livrar de uma vez por todas, definitivamente, da dependência de água.
O surgimento desse novo tipo de ovo também inaugurou uma nova corrente dentro dos vertebrados, os Amniota: animais cujo embrião está envolto pelo âmnion, uma "bolsa" protetora cheia de líquido. Os primeiros são do início do Carbonífero, "apenas" 20 milhões de anos depois dos primeiros Tetrapoda. Em termos biológicos isso é realmente muito pouco, o que demonstra a rapidez com que a evolução começou a acontecer depois que todo o "projeto" do corpo de um vertebrado típico foi desenvolvido pelos peixes.

Hylonomus lyelli, o primeiro réptil.
Na verdade, esses anfíbios com pele impermeável e ovos com casca já estavam tão diferentes que não poderiam mais ser chamados por esse nome... haviam se transformado em RÉPTEIS, da Classe Reptilia.
Tão logo surgiram, os Amniota logo se diversificaram entre Sauropsida, a linhagem que deu origem aos répteis e aves, e Synapsida, a que inclui "répteis-mamíferos" e mamíferos, e o ovo amniota foi um elemento crítico do sucesso de ambos, porque é maior do que os ovos dos não-amniota  e por isso produz filhotes maiores que crescem originando adultos também maiores. Contudo, mesmo de posse deste novo tipo de ovo, ambas as linhagens teriam destinos completamente diferentes: enquanto os Sauropsida dariam origem aos dinossauros, que dominariam o mundo inteiro por quase 170 milhões de anos, os Synapsida que não se transformaram em mamíferos... foram aniquilados.

Pelycosauria, pioneiros na classe dos répteis (e da
nossa) antes do domínio dos dinossauros.
Os Synapsida dominaram a diversidade terrestre no final do Período Permiano (260 milhões de anos), se diversificando em 02 grupos, Pelycosauria e Therapsida, que ocuparam diversos nichos ecológicos. Sua evolução foi em geral caracterizada pela redução do tamanho corpóreo. Enquanto os Pelycosauria chegavam a um porte maior que o de um boi, os Therapsida já eram do tamanho de  um cachorro. No Período Triássico médio (240 milhões de anos) já estavam com o mesmo tamanho de um coelho, e os primeiros mamíferos do final do Triássico (200 milhões de anos) tinham menos de 10cm e não mais que 50g, o tamanho de um musaranho moderno.
A transição do Permiano para o Triássico foi o pior momento para a história da vida na Terra. Os répteis Therapsida, tão diversos, foram se tornando um componente cada vez menor da fauna terrestre durante o Triássico, chegando quase à extinção no final do período. Felizmente, já haviam dado origem aos mamíferos antes. Quem se deu melhor com essa extinção colossal foram os já citados Diapsida que, com terreno livre, começaram o império dos répteis em escala mundial, culminando com o reinado dos dinossauros.

À muito tempo atrás, numa galáxia muito distante, eu disse que as primeiras mandíbulas eram formadas por vários ossos encaixados, lembra? Também disse que isso seria muito importante no futuro, lembra? Pois é, esse momento é agora.

Antes a mandíbula era formada por 03 ossos, o principal (dentário) e 02 outros menores (chamados angular e articular). Uma tendência nos Therapsida foi o aumento do dentário até a total supressão dos ossos posteriores.
A figura mostra o recrudescimento dos ossos mandibulares e sua
transformação nos ossos do ouvido médio. De baixo para cima:
peixe sarcopterígeo, anfíbio primitivo, réptil sinapsida e mamífero.
Com o aprimoramento da mandíbula, alguns dos ossos que a formavam perderam sua função, mas não foram absorvidos e desapareceram: se transformaram nos atuais ossos do ouvido médio (martelo, bigorna e estribo). Novamente, como no caso das patas, os peixes não sabiam que isso ia acontecer. Aqueles ossos não foram originalmente concebidos para ouvir, mas sim para ajudar na estrutura da mandíbula. A mudança para o ambiente terrestre fez com que ganhassem nova função. Os primeiros a conseguir desenvolver esses ossículos foram os Synapsida, mais especificamente os Sphenacodontia. Como não existem mais, os mamíferos são então o único grupo vivente de vertebrados cuja mandíbula é constituída por apenas 01 osso. O que chamamos de mandíbula hoje na verdade é o osso dentário, que a preencheu totalmente.
Com esta separação, a mandíbula tornou-se menor, mais leve e mais flexível para o crânio.

Outra grande mudança na mandíbula que é uma exclusividade dos mamíferos é a heterodontia: dentes diferenciados em tamanho, forma e função. Todos os outros vertebrados até aqui eram homodontes (tinham todos os dentes iguais). Isso foi importantíssimo do ponto de vista ecológico: com diferentes dentições os mamíferos podiam se alimentar de qualquer coisa e desbravar qualquer ambiente da Terra.
Os Therapsida também reduziram as vezes em que esses dentes surgem para apenas 02 (difiodontia uma ao aparecerem na infância e a outra em sua troca. A maioria dos outros vertebrados trocam seus dentes indefinidamente (polifiodontia).

Biarmosuchus tener, um dos primeiros répteis a
apresentar dentição diferenciada (heterodontia) e
membros posicionados abaixo do corpo.
É deles também uma outra grande conquista: como sabe (ou já deveria saber), você possui em sua pele uma série de glândulas, responsáveis por um sem-número de funções: as glândulas sebáceas produzem o óleo; as sudoríparas, o suor. Estas glândulas, nos mamíferos primitivos, secretavam substâncias (feromônios) sinalizadoras aos filhotes, para que reconhecessem a mãe e ficassem próximos dela. Como eles eram ovíparos em sua origem, uma provável explicação para o surgimento do leite era o de proteção dos ovos, em um ninho, contra os microorganismos (o leite materno possui propriedades antimicrobianas até hoje). E após a eclosão, essa secreção, altamente nutritiva e contínua, começou a ser ingerida pelos filhotes, trazendo-lhes óbvios benefícios. Este "protoleite" passou a suplementar a reserva do ovo e, então, posteriormente, a substituiu. E assim nasceu a amamentação.
Sua maior vantagem é que ela permite a produção de descendentes independentemente da disposição de alimento no ambiente. As aves dependem disso para colocar seus ovos e de fato só o fazem quando a oferta de alimento o permite. Assim, a fêmea também fica livre do cuidado paternal para cuidar de seus filhotes e não precisa abandoná-los e nem depender do macho para fornecer-lhes alimento.
Pelo lado do filhote isto também garantiu-lhe imunidade, mas talvez você não saiba que, através da sucção do leite, desenvolvemos músculos faciais mais fortes, que se tornaram capazes de criar expressões faciais diversas. Quando você sorri, faz cara de nojo ou (tenta fazer) uma cara mais feia do que essa que já tem, é por causa destes músculos, que foram ao longo de milhões e milhões de anos fortalecidos pelo processo da amamentação.

Percebe como tudo se interliga? Nada se modifica no corpo sem modificar secundariamente todo o resto.

Gorgonopsia, os primeiros répteis com pelos
(apenas vibrissas sensoriais, ou "bigodes") e
palato secundário.

Outra coisa desenvolvida pelos Therapsida foi um palato secundário, que separa a passagem nasal da boca e permite, ao mesmo tempo, a respiração e a alimentação. Você também o tem – e muito provavelmente sequer sabe disso. Faça o teste: coloque a língua no céu da boca próxima aos dentes da frente e pressione. É bem duro; agora, coloque-a na parte mais interna do céu da boca, o mais fundo que puder, e faça a mesma coisa... e perceberá que é mole. Este é o palato secundário. Atualmente, o único grupo em que todos os animais o possuem é justamente o dos mamíferos. Não é uma exclusividade nossa: jabutis e crocodilos também o possuem, mas são exemplos de evolução convergente, nada tendo a ver conosco ou com nossos ancestrais (nem mesmo os mais remotos).
A cauda também sofreu modificações enquanto estes répteis se transformavam em mamíferos. Uma cauda longa e pesada é uma condição primitiva e está presente até hoje nos répteis (e anfíbios que a possuem). Com a inserção dos membros cada vez mais para baixo do corpo (e não ao lado dele, como ocorre nos répteis e anfíbios), a cauda foi perdendo massa e tamanho e foi gradativamente se afinando.

Thrinaxodon liorhinus, quase no limite entre répteis
e mamíferos (
já com um palato secundário e dentes
diferenciados, mas ainda não possui a mandíbula de
osso único ou orelhas externas).
Aquelas escamas de queratina desenvolvida pelos últimos anfíbios agora sofreriam mais uma sutil modificação... não em sua estrutura, mas em sua morfologia. Continuariam sendo feitas de queratina, mas mudariam para... pelos. Eles e as penas nada mais são do que simples escamas modificadas, e essa modificação levou ao isolamento térmico e à endotermia (capacidade de manter o corpo aquecido), outra característica essencial de todo mamífero que se preze. A queratina não forma apenas pelos ou penas, mas também unhas, garras, cascos e até chifres.
Outra coisa estava acontecendo com esses animais: sua taxa metabólica estava aumentando a níveis nunca antes vistos entre os vertebrados, fazendo seus corpos produzirem tanta energia que ficavam quentes. Isto sem dúvida era uma vantagem pois os tornava mais ativos e rápidos, e os pelos recém adquiridos ajudavam a manter seus corpos aquecidos. Uma pelagem que recobre totalmente o corpo retêm o calor metabólico nos espaços existentes entre o pelos e reduz a perda de calor para o meio.

Cynognathus crateronotus, com orelhas externas e
fórmula falângica 2-3-3-3-3.
A bem da verdade, não se sabe se os répteis-mamíferos tinham realmente pelos. Como toda parte mole, eles são muito difíceis de fossilizar, a não ser em condições extremamente especiais (o que é quase impossível). Todavia, seus esqueletos mostram modificações que levam a crer que esses animais tinham sim, altas taxas metabólicas, que exigiam uma proteção especial para evitar a perda energética.
O primeiro indício inequívoco de pelos só se dá nos fósseis dos primeiros mamíferos verdadeiros. Possivelmente a necessidade de evoluir pelagem para isolamento não era tão grande até o surgimento desses primeiros mamíferos, que tinham tamanho muito pequeno e, portanto, estavam mais sujeitos à perda de calor devido à sua área de superfície relativamente maior.
Nós humanos temos arrepios de frio na pele dos braços e pernas quando sentimos frio porque a pequena quantidade de pelos que ainda nos resta colocam-se em uma posição vertical, em uma tentativa, que é ancestral nos mamíferos, de aumentar o isolamento térmico.

Oligokyphus triserialis, nosso último réptil. Só não é
considerado mamífero em virtude de não possuir a
articulação mandibular direta ao crânio. Fora isto,
todo o resto é de mamífero.
Os mamíferos (Classe Mammalia) surgiram a 205 milhões de anos e houveram 02 grandes períodos de diversificação desse grupo durante a Era Mesozóica. O primeiro, do Período Jurássico até o início do Período Cretáceo, produziu uma primeira radiação de formas que, em sua maioria, não sobreviveu além da Era Mesozóica. Os mamíferos nunca puderam ficar muito grandes porque os donos do pedaço eram os dinossauros, que ocupavam praticamente todos os nichos ecológicos do planeta. Por esta mesma razão acredita-se que nossos mais antigos ancestrais mamíferos eram crípticos (viviam escondidos) e noturnos, quando a falta de luz solar reduz a atividade dos répteis.

Morganucodon oehleri, o primeiro mamífero.
A segunda radiação, que ocorreu no início do Cretáceo, foi composta de mamíferos mais derivados, incluindo os primeiros grupos modernos. A vida não era fácil para estes animais. Primeiro porque eram obrigados a se manter pequenos para poder se manter alheios aos dinossauros; depois, porque foi exatamente este tamanho diminuto que fez as serpentes aparecerem pela primeira vez no mundo, em resposta à vasta possibilidade de alimento que nossos tatatatatatatatatatataravós passaram a representar para elas.

Alguns dos primeiros mamíferos. Em comum apenas
o fato de serem pequenos, porque mesmo assim eles
conseguiram conquistar 1) o ar (Volaticotherium), 2) a
a água (Castorocauda), 3) o solo (Sinoconodon), 4) o
subterrâneo (Fruitafossor) e 5) as copas das árvores
(Megazostrodon).
Isso não quer dizer de forma alguma que eles tenham se congelado no tempo esperando uma oportunidade. Pelo contrário, os primeiros mamíferos se diversificaram enormemente, porque ainda haviam muitos nichos ecológicos que os dinossauros não tinham como dominar. Muitos deles se aventuraram na água, outros nas árvores e alguns ainda no subsolo  e até mesmo no ar! Versatilidade é tudo nessa vida, e nossos ancestrais mais antigos sabiam disso como ninguém.

Bom, já vimos o desenvolvimento de praticamente tudo. Os peixes fizeram todo o trabalho pesado, deixando para os anfíbios apenas a elaboração de um ouvido e o desenvolvimento de pele e ovos impermeáveis. Os répteis contribuíram com dentição diferenciada, pelagem, lactação e amamentação, além de melhorarem a estrutura auditiva... então, o que falta para os mamíferos resolverem? Sólo unas cositas mas.

Mas que fazem uma difereeeeennnça...

Juramaia sinensis, o primeiro mamífero placentário.
Mesmo já sendo mamíferos, os primeiros representantes do grupo ainda eram ovíparos. Isso não chega a ser estranho, uma vez que ainda hoje existem mamíferos com a mesma condição (vide o ornitorrinco e a équidna). Mas nós, como você bem sabe, não nascemos de um ovo, mas sim de um útero localizado dentro de nossas amadas mamães.

Mas como isso começou? A partir do momento em que o embrião não passou mais a ser encapsulado por um ovo, mas manteve-se dentro da fêmea até o momento de nascer. E temos então a viviparidade. Sabemos que foi assim porque as membranas embrionárias que formam a placenta dos mamíferos são homólogas às membranas do próprio ovo.
Que fique bem claro que a viviparidade NÃO É característica exclusiva dos mamíferos. Aqui mesmo no Brasil existe um lagarto muito comum, o Mabuya heathi, que é totalmente vivíparo e jamais coloca um ovo.
Mas qual é a vantagem da viviparidade? Uma taxa maior de sucesso na sobrevivência dos filhotes. Como podem gerar poucos descendentes por vez, as fêmeas se esmeram no cuidado dos filhos... e assim nasceu o cuidado parentalSão 02 estratégias bem distintas: os ovíparos colocam uma quantidade enorme de ovos e esperam que alguns consigam sobreviver; os vivíparos têm pouquíssimos filhotes, mas têm mais cuidado com eles, garantindo que (quase sempre) consigam sobreviver.

Purgatorius unio, um provável ancestral dos primatas
que conviveu com os dinossauros pouco antes deles
serem aniquilados.
Cuidado este que não acontece em quase nenhum outro grupo de vertebrados (especialmente répteis, anfíbios e peixes). Não são inexistentes, mas extremamente raros em vertebrados não-mamíferos.
Mas a viviparidade não seria possível sem a aquisição de outra estrutura, formada a partir das membranas extra-embrionárias do feto e cuja função é transferir nutrientes da mãe para o embrião e remover produtos de excreção do metabolismo embrionário. Estamos falando da placenta.
A energia que uma fêmea investe na alimentação do embrião pode ser na forma de gema (como na aves) ou pode ser entregue para o embrião por meio do trato reprodutivo da fêmea (como nos mamíferos placentários).
Com isso podemos dividir os mamíferos em 03 sub-classes: Prototheria (ovíparos) e Theria (placentários)  que por sua vez se separam em 02 infra-classes: Metatheria (placentários com desenvolvimento indireto, também conhecidos como marsupiais) e Eutheria (placentários com desenvolvimento direto). Nós pertencemos a este último.

Os primeiros placentários apareceram durante o Cretáceo inferior na região que hoje é a China, a aproximadamente 125 milhões de anos. E essas modificações no aparelho reprodutor vão gerar outras mudanças anatômicas (particularmente interessante para os homens). :D

Na maioria dos vertebrados, os sistemas urinário, reprodutor e digestório alcançam o exterior através de uma única abertura comum, a cloaca. Somente em mamíferos Theria (marsupiais e placentários) a cloaca é substituída por aberturas separadas para os órgãos urinários e reprodutores e o aparelho digestório. É isso aí... finalmente nós temos ânus, uretra e saída reprodutora separados, o que significa que agora nossas fêmeas têm uma vagina! Uhuuwww!
O pênis é um condutor de urina somente nestes mamíferos. Em todos outros Amniota é puramente um órgão sexual, usado para introduzir esperma dentro do trato reprodutor da fêmea de modo que o ovo seja fertilizado antes da casca ser formada.

A partir de agora vamos nos concentrar dentro de um ramo específico da linhagem dos mamíferos, que é aquele que vai dar origem à nossa espécie.
Alguns daqueles primeiros mamíferos placentários se especializaram à vida arborícola e deram origem ao grupo conhecido como Euarchontoglires, uma super-ordem de mamíferos que deu origem a nada menos que 05 ordens viventes, a saber: Rodentia, Lagomorpha, Dermoptera, Scandentia e... Primata (a nossa).

Carpolestes nigridens, último mamífero não-primata,
com unhas ao invés de garras e polegar oponível.
Os Primata formam um grupo muito "jovem", que só apareceu tempos depois que os grandes dinossauros se foram, no período Paleoceno, uns 60 milhões de anos atrás. São um grupo moderadamente bem sucedido de mamíferos, embora concentrem-se nas regiões tropicais do planeta. Eles iniciaram sua linhagem nas copas das árvores a partir dos Plesiadapiformes (outra ordem de Euarchontoglires, mas já extinta), que eram muito diversificados no Paleoceno da América do Norte mas declinaram no Eoceno, chegando à extinção ainda antes do final desta época. O declínio deles coincide com a evolução e a radiação de um outro grupo de mamíferos, os Rodentia (roedores), ao final do Paleoceno. Houve competição entre estas duas linhagens, e os Plesiadapiformes acabaram se dando (BEM) mal.
Na verdade, os Rodentia teoricamente foram responsáveis pelo sumiço de outro grupo de mamíferos, muito mais antigo e diversificado, os Multituberculata, dos quais não vamos falar muito além do fato de que eles estavam na Terra a 125 milhões de anos e conseguiram resistir a tudo... menos aos roedores.

Como podemos classificar os Primata? basicamente pela morfologia de seus... narizes!?
Sim, pode parecer uma forma meio simplista, mas é a que melhor pode defini-los dentro de seus subgrupos.

É assim que os primatas são divididos: com focinho (Strepsirrhini) e sem focinho (Haplorrhini) – que por sua vez se separam entre Platyrrhini (narinas separadas) e Catarrhini (narinas próximas). Nós, então, somos primatas haplorrhini catarrhini.

É claro que não fica apenas nisso. É apenas uma forma visual de se separá-los. Entre outras diferenças, algumas são:

  • Strepsirrhini - cérebro pequeno com olfato bem desenvolvido. A morfologia do útero é diferente (em forma de Y) e eles possuem múltiplos pares de mamilos. Quase todos são noturnos.
  • Haplorrhini - diâmetro cerebral bem maior e visão melhor, distinguindo inclusive cores. Todos possuem útero de câmara única (menos os Tarsiiformes). São acostumados a parir 01 única cria e o tempo que passam com ela é maior. Por terem uma visão mais acurada, são quase todos diurnos.
  • Platyrrhini - são os pequenos macacos do Novo Mundo (América), como micos e saguis. Suas narinas são separadas e voltadas para os lados. Em algumas espécies a cauda é preênsil. Possuem dentição com 03 pré-molares.
  • Catarrhini - são os grandes macacos do Velho Mundo (África, Ásia e Europa). Têm o focinho mais ou menos reto e narinas juntas dirigidas para baixo. Todos os seus representantes possuem dedos com unha, polegares oponíveis e dentição com 02 pré-molares.

E o nariz na verdade tem a ver com (quase) tudo! Com a gradual redução do focinho (e consequentemente do aparato olfatório) a maior parte do crânio passou a se posicionar atrás dos olhos. Isso lhes proporcionou uma área intracraniana mais ampla, o que ajudou a aumentar o tamanho do cérebro, que geralmente é bastante grande em relação ao tamanho do corpo, com aumento considerável do córtex cerebral.

Darwinius masillae, divisor de águas entre os
prossímios e os grandes macacos (e nós).
Este último aumento por sua vez permitiu uma melhoria considerável no sentido da visão. É por isso que temos um sistema visual complexo de alta acuidade, com grande percepção de cores e com tendência ao desenvolvimento de olhos binoculares voltados para frente. Todo Primata têm olhos posicionados à frente, nunca dos lados, da cabeça, e os Catarrhini também têm impressões digitais na ponta dos dedos.
Primatas também têm menos dentes do que seus antepassados ou outros mamíferos mais primitivos  (a NOSSA fórmula dentária é I2-C1-P2-M3) e uma tendência de manutenção ereta do tronco, o que leva ao bipedalismo facultativo. Todo primata pode manter-se em pé, alguns mais outros menos, mas só o homem é exclusivamente bípede.
E já que enveredamos pelas características... com exceção dos Strepsirrhini, primatas possuem somente 02 glândulas mamárias e, normalmente, têm apenas 01 filhote por gravidez, o qual normalmente tem uma infância prolongada e também uma adolescência bem definida. Eles também têm capacidade cerebral bem maior e apresentam estrutura social e traços de cultura bastante significativos.

Até hoje, a maioria dos primatas compartilha muitas características atribuídas à vida arbórea. A maior parte ainda vive nas árvores, mas alguns se tornaram terrestres posteriormente (os babuínos por exemplo) e alguns se adaptaram para uma vida dupla, mas apenas os humanos são os únicos exclusivamente terrestres. Uma das heranças mais significativas de uma vida se movendo de galho em galho é a braquiação (locomoção pendurada pelos braços), graças à qual os primatas têm movimentos praticamente ilimitados dos braços. São os mamíferos que mais têm movimentos braquiais.

Enfim, isso tudo define os primatas e os separa dos demais grupos de mamíferos. Agora vamos nos concentrar em sua evolução.

Teilhardina asiatica, o mais antigo Haplorrhini conhecido.
O mais antigo primata que se conhece do registro fóssil é o Altiatlasius koulchii, que viveu a 57 milhões de anos no Paleoceno do Marrocos e do qual existe pouquíssima informação a respeito, pois seus fósseis são muito inconclusivos.
Como os primeiros mamíferos, os primatas também começaram como um grupo de animais pequenos e noturnos. Ainda existem diversos exemplos de primatas assim hoje em dia, como o galago, o aye-aye e o lóris. Os musaranhos-arborícolas (ordem Scandentia) são tão parecidos conosco que alguns cientistas defendem que sejam os primatas mais primitivos ainda vivos. Assim ou assado, é certo então que todos iniciaram com vida noturna, hábitos arbóreos, olhos enormes e cauda.

Aegyptopithecus zeuxis, um dos primeiros Catarrhini.
Mas a evolução seguiu seu curso. Em determinado momento esses primatas iniciais deram origem a outros, mais derivados, que passaram a enxergar em cores e, por isso, adquiriram hábitos mais diurnos e, assim, fizeram a transição entre prossímios (macacos com focinho e cauda) e macacos antropóides (similares ao homem).
Dentro de Anthropoidea, o Eosimias sinensis é considerado o mais antigo já identificado, encontrado na China, no Período Oligoceno de 45 milhões de anos. Era muito pequeno (apenas 06cm de tamanho). Mas eles não ficaram miúdos assim por muito tempo, e logo uma grande variedade de espécies, de variados tamanhos e hábitos, começaram a aparecer, como o Aegyptopithecus, 10 milhões de anos depois. Foi nessa época de grande diversificação também que começaram a aparecer os primeiros primatas com cauda curta... ou nenhuma.

Proconsul africanus, o primeiro Hominoidea.
As relações filogenéticas entre os primatas é motivo de intenso debate. Isto porque, como dito antes, os fósseis são bastante incompletos, o que dificulta MUUUUITO qualquer tentativa de estudá-los e tentar organizá-los. Mesmo sendo mais recentes que aqueles peixes agnatos, o registro fóssil dos primatas mais antigos é muito pobre e consiste basicamente de dentes e mandíbulas fragmentadas.

Os Catarrhini se separam em 02 grupos menores, Cercopithecoidea e Hominoidea. Nos primeiros a cauda é bastante reduzida e, nos segundos, completamente ausente. Estes últimos também podem ser chamados de "símios", embora este termo esteja entrando em desuso.
Em determinado momento surgiu o já citado ramo conhecido como Hominoidea. O Pierolapithecus catalaunicus, de 13 milhões de anos, é o mais antigo membro desta linhagem, sendo considerado o ancestral comum de todos os grandes macacos sem cauda.

Diferenças na forma da cintura peitoral (escapular) nos macacos e nos hominídeos. As partes esquerdas das figuras mostram a posição do músculo serratus que fixa a escápula às costelas. Note o peito mais amplo e a posição dorsal da escápula no hominídeo; a curvatura das costelas também é maior, com a coluna vertebral se posicionando mais ao centro da caixa torácica, mais próxima ao centro de gravidade (note o ponto em que as linhas diagonais se cruzam) e achatando toda a caixa torácica. Estas características facilitam o equilíbrio de um hominídeo na posição ereta – enquanto os outros macacos devem dobrar seus joelhos e se curvar para frente para se equilibrarem sobre seus membros pélvicos para evitar cair para trás.

Então, nossa evolução fez sua última separação significativa: nos desprendeu daquele ramo (já um tanto pequeno) que nos unia aos nossos primos e nos deixou por nossa própria conta. Estava criada a nossa família, chamada Hominidae (isto é latim e lê-se hominíde). Isso aconteceu a 15 milhões de anos, quando nos separamos dos gibões, que ganharam sua própria família: Hylobatidae.
E as divisões continuaram acontecendo. A 13 milhões de anos, nova separação: desta vez foram os orangotangos que se separaram, e em 10 milhões os gorilas saíram de cena. Só sobraram os seres humanos e os chimpanzés.
Homens e chimpanzés são animais assustadoramente parecidos entre si. Compartilhamos mais de 99% de nossos DNA's.
A 07 milhões de anos apareceu o Sahelanthropus tchadensis, provável ancestral comum de homens e chimpanzés (o Orrorin tugenensis também é um candidato a este posto). E então, a 4,4 milhões de anos, surgiu o Ardipithecus ramidus, no limiar entre as árvores e o chão. Conviveu e competiu com o ancestral direto dos chimpanzés – com o qual era inclusive bastante parecido. Já era bípede (como evidenciado por sua pelvis em forma de bacia, o ângulo de sua forame magno e seus ossos mais finos de pulso), embora seus pés ainda fossem adaptados para agarrar em vez de caminhar por longas distâncias, como os primatas arbóreos.

Ardipithecus ramidus, o primeiro hominídeo.
Sabe-se hoje que ele vivia em ambiente de floresta, o que derruba a teoria de que o bipedalismo tenha surgido quando nossos antepassados foram viver nas savanas. Então por que nos tornamos bípedes? Essa pergunta ainda não tem uma resposta definitiva, mas provavelmente pelo mesmo motivo que os suricatos, quadrúpedes, ficam: ampliar o campo de visão para avistar, por exemplo, possíveis predadores. Além do que, nas savanas, onde as árvores são muito esparsas e distantes entre si, o bipedalismo permitiria percorrer maiores distâncias em menor tempo, garantindo que não ficariam muito tempo desprotegidos no solo, além de facilitar a busca por alimentos.

Australopithecus afarensis, nosso ancestral direto.
Que a humanidade surgiu na África é consenso praticamente unânime dentro da comunidade científica, mas ao contrário do que se pensava antigamente, a evolução humana não foi linear. Várias espécies surgiram e desapareceram, e até chegaram a conviver durante algum tempo, dentro e fora do continente africano. Entre 04 e 03 milhões de anos surgiram os primeiros Australopithecus, com fisionomia ainda mais parecida com a dos humanos atuais, mas cujo cérebro ainda mantinha a mesma dimensão do dos atuais chimpanzés. Independente disso, foi um ramo bastante prolífico, que gerou várias espécies ao longo do tempo.
A genealogia humana e sua relação com outros grandes primatas vêm sofrendo constante mudança nas últimas décadas devido à enorme quantidade de fósseis que vêm sendo continuamente descobertos.

Homo habilis, o primeiro humano verdadeiro.

E então, a 2,3 milhões de anos, surgiu o Homo habilis, espécie com o cérebro mais desenvolvido até então e a primeira espécie do gênero Homo (o nosso). Ele foi o primeiro a talhar utensílios, em vez de simplesmente utilizar pedras e gravetos em estado bruto, como faziam antes dele – e como até hoje fazem os chimpanzés, gorilas e orangotangos. Pelo formato de sua mandíbula provavelmente também conseguiu criar uma forma (ainda que bastante rudimentar) de fala.
Existiram várias espécies de seres humanos, e muitas delas conviveram entre si. Até hoje, tirando a nossa própria, já foram contabilizadas 11 espécies de Homo. Um primo distante do H. habilis, o Homo ergaster, foi o primeiro a fazer armas e a se especializar na caça. Para aumentar sua eficiência contra grandes presas, passou a viver em pequenos grupos. A necessidade de coordenar as táticas de caça os levou ao incremento da comunicação e das linguagens oral e gestual. 
Do H. habilis nasceu o Homo erectus, que já tinha capacidade cerebral bem próxima à nossa. Foi a primeira espécie humana a controlar o fogo e, com isso, tornou-se capaz de migrar para regiões de climas mais frios. Ele se dispersou para a Ásia há, no mínimo, 1,8 milhão de anos e, depois, para a Europa. Mas foi outra espécie, também descendente do H. ergaster, que conseguiu dominar o mundo: o Homo sapiens... nós. Surgimos em nossa atual forma a 195 mil anos, na África, e de lá nos espalhamos pelo planeta inteiro.


A humanidade de hoje. Não existem mais espécies, apenas raças (ou etnias, ou subespécies, dependendo da fonte). Pode chamá-las pela cor (branca, preta, amarela e vermelha) e/ou pela localização geográfica (caucasóide, negróide, mongolóide e australóide). Seja quem for, você é muito provavelmente uma mistura de várias delas. Desde que conseguiu a se movimentar livremente pelo mundo a 60 mil anos a mistura foi (e ainda é) tão intensa que não existem mais raças distintas como a séculos atrás. Esta miscigenação foi benéfica como um todo, combinando qualidades adquiridas e tornando a espécie humana mais una.
Muitas pessoas são contra o conceito de raça por entender que é dele que provém o racismo. Eu, EU, particularmente discordo, o racismo é criação de homens que não tinham nosso conhecimento científico atual, mas é perpetuado por ignorantes (assim como o sexismo e o especismo). Estas 04 crianças acima são de raças diferentes mas, PARA MIM, todas são espetacularmente belas e seus sorrisos simbolizam o que há de melhor na espécie humana. Como bem disse o grande Ernest Hemingway: de todos os presentes da natureza para a humanidade, o que é mais doce para o homem do que as crianças?
A última espécie humana a aparecer foi o Homo floresiensis, na Indonésia a 100 mil anos, mas que desapareceu a 13 mil. Eram os "hobbits" de nosso mundo, com apenas 1m de altura. Antes deles, a 25 mil anos, o Homo neanderthalensis também já havia ido embora para sempre.
A humanidade vive hoje completamente solitária, mas o momento atual na verdade é incomum: a uns 50 mil anos compartilhávamos o planeta com o Homo neanderthalensis, o Homo erectus e o Homo floresiensis. Ao longo de quase toda a história humana, diversas espécies coexistiram, em maior ou menor harmonia. Temos fósseis de inúmeras delas. Não somos a única espécie de gente que apareceu no mundo. 

Somos apenas a única que sobreviveu.

E assim chega ao fim nossa viagem, meu querido (e determinado!) leitor. O texto foi longo... apesar de ter lido, resumido, relido e re-resumido, não tive como deixá-lo menor. Mas convenhamos, percorrer 530 milhões de anos em 90 minutos até que não está nada mal!


Agora que você sabe o que (REALMENTE) aconteceu, pode continuar negando... à vontade, você tem esse direito. Mas vai ficar parecendo um idiota. A escolha é totalmente sua.

E segue a já tradicional listinha de links:


Tudo que você leu pode ser resumido aqui em apenas 11 segundos!

E agora, que você sabe (REALMENTE) de onde veio... não ficou curioso para saber para onde você (REALMENTE) vai?
Então aguarde o próximo artigo. ;)