domingo, 11 de dezembro de 2011

Meu Herói Bíblico Preferido



"O quê? O Gustavo admitindo que admira a Bíblia"!?

Sim, gente... qual o problema nisso? Admirar não significa acreditar. Eu sempre achei a história de Jesus Cristo uma belíssima ficção. Assim como gosto de outras ficções, como as científicas de Carl E. Sagan, as fantásticas de John R.R. Tolkien e as apavorantes de Edgar A. Poe. Nada demais nisso. Até paguei pra ver o filme sanguinolento do Mel Gibson no cinema (quase chegou a respingar sangue em mim). E a Bíblia, como o livro fictício que de fato é, tem lá suas histórias legais particularmente dentro dos livros apócrifos, textos que a Igreja Católica proibiu no Concílio de Nicéia no ano 325, afirmando não serem "inspirados por Deus".

A bem da verdade, inspirado por Deus livro nenhum nesse mundo é. Volto a dizer: a Bíblia é uma obra literária de ficção, algo como literatura fantástica, escrita, reescrita, alterada, realterada e manipulada ao longo de séculos e mais séculos por pessoas comuns como eu ou você, que está lendo isso aqui. O fato de um livro ser antigo e/ou de difícil definição quanto à autoria não o torna, nem verídico, nem tampouco divino.

"Peraí, Gustavo... está dizendo então que leu um livro da Bíblia"!!!? Galera, eu leio de tudo. Minha cabeça é aberta, só não deixo merda ficar dentro dela. No caso, li a obra Anjos Caídos e a Origem do Mal, de Elizabeth Clare Prophet, que traz em seu conteúdo o Evangelho de Enoque livro proscrito da Bíblia oficial por afirmar que todo o mal que assola a humanidade desde sempre na verdade é culpa de Deus, que criou anjos tarados que não pestanejaram em descer aqui pra dar umazinha na mulherada. É isso aí, pessoal... a culpa de tudo que acontece de ruim conosco é unicamente de Deus. Se ele não existisse, nada disso estaria acontecendo. Durma com isso agora.

Este é o profeta Enoque, o cara que fumou um baseadão de 3m e escreveu essa viagem toda.


Se analisarmos bem, com senso crítico e conhecendo também os evangelhos apócrifos, a Bíblia é um festival de putaria sem fim! Tem muitas passagens para tarados, gays (até aqui nada contra), e até para estupradores e pedófilos (aí fodeu) – e tudo com o aval de Deus. Uma das passagens mais aberrantes diz respeito a Ló, que comeu as próprias filhas (Gên 19:32)! Clique AQUI pra ver uma crítica a respeito no site Bar do Ateu, do meu colega Wagner Caldas.
Só que o mais interessante é o seguinte: para Deus, incesto não é pecado algum, mas masturbação é, e mortal. Tanto é assim que Ele matou Onã porque este bateu umazinha (Gên 38:10). Contraditório? São as leis do Todo-Poderoso, e com relação à religião nada que vá a favor do bom-senso, da lógica, da ética e da moralidade tem valor algum...

O que talvez possa te surpreender é que, para mim, Jesus não é meu personagem bíblico preferido. Aliás, os católicos mais exaltados e fixos apenas e unicamente no livro oficial provavelmente nunca ouviram falar dele: Samyaza.


Nunca teve o devido reconhecimento.
Quem!? Samyaza, um daqueles anjos tarados já mencionados. "Mas por que um herói tão desconhecido"? Ué, pessoal... herói tem que ser famoso? Em muitas histórias, o verdadeiro herói passa praticamente despercebido a própria Bíblia é um exemplo, com seus heróis famosos, como o rei Davi (que aliás era bicha). Em outro exemplo, para mim o maior herói de O Senhor dos Anéis não é Frodo Bolseiro ou Aragorn, mas Samwise Gamgee. Foi ele quem salvou Frodo inúmeras e inúmeras vezes, carregou-o nos braços, lutou suas lutas... enfim, Frodo não teria a menor chance sem seu amigo, e a maioria das pessoas parece não perceber isso ao longo daquela história. Outro herói preferido meu que não se encontra nas fileiras da fama é Norrin Radd, mais conhecido como Surfista Prateado, da Marvel Comics. Não sei como ele está hoje, mas na minha época de leitor assíduo ele era um ser cósmico ultrapoderoso que se recusava a usar de força bruta e questionava a miserabilidade da existência humana com a pungência de um poema filosófico! Sensacional!


Mas voltando à nossa história, o livro só começa a ficar legal a partir do capítulo VII. Antes vem tooooooda aquela falácia repetitiva, enfadonha, sonolenta e chata de toooooodo livro da Bíblia, falando que Deus é lindo, é bondoso, é misericordioso, quem não temê-lo tá fodido, quem o adora terá vida eterna, blá-blá-bli, bló-bló-bló... amém. É a partir deste ponto que nosso intrépido herói, Samyaza (Samy, para os íntimos), que sempre viveu cercado de anjos homens cujo objetivo era ficar vigiando os seres humanos (e por isso eram chamados de Vigilantes), olhou lá do céu pra cá, viu um monte de mulher... e é CLARO que ficou doidão, oras! Se Deus nos fez à sua imagem e semelhança (e aos anjos idem) era natural se esperar que também tivessem o mesmo comportamento. Mas Deus também lhes deu, assim como a nós, o livre arbítrio o argumento preferido de todo religioso para justificar Sua desatenção para com nosso mundo. Aliás, já perceberam que, sempre que usamos de nosso livre arbítrio para questionar Deus, estamos sendo influenciados pelo demônio e nos condenando ao inferno!? Que caralho de livre arbítrio é esse então, que a gente só pode usar pra concordar com Deus!?
Além do mais, se os anjos começaram a desejar mulheres terrenas, por que diabos Deus (olha a redundância!) não criou anjas para eles? Ele não é fodão, poderosão e tal!? Se ele não tem ideia de como fazer ou de design para começar, pode ter alguma inspiração com nossos artistas aqui na Terra mesmo...

Se Deus tivesse criado algumas iguais a essa, os Vigilantes
jamais teriam pensado em vir pra cá.

Ah, esqueci... mulher é coisa do demônio. Segundo São Jerônimo, a mulher é uma ferramenta de Satã e um caminho para o inferno.
Tem outras frases legais AQUI. Sério, mulher só pode ser cristã se não conhecer esse tipo de coisa. Ou se for otária mesmo.


Na verdade o demônio (ou diabo, satã, satanás, tição, cramulhão, ímpio, descrente, malfeitor, obreiro da iniquidade, tinhoso, praticante do mal, injusto, pagão, cão, coisa ruim, impuro, maligno, inimigo, imundo e etc) é tão somente o alvo dos que não tem capacidade ou coragem para pensar por si mesmos. Aí a religião, para lhes tirar essa "culpa", vai e coloca a causa de todas coisas ruins no demônio o que também é útil para livrar, tanto ela como o próprio Deus, de qualquer questionamento por parte dos imbecis fiéis.



Para Deus, se você olhar com desejo, está
pecando. NÃO OLHE COM DESEJO!

Ops, fugi da narrativa, vamos retornar. Qual a real culpa de Samy nessa história toda? NENHUMA! Ele estava apenas e tão somente obedecendo a um desejo tão natural quanto respirar ou comer: o de ter prazer. Se, como dito anteriormente, ele foi feito à imagem e semelhança de Deus e nós também, era óbvio que isso iria acontecer. Mas pra Deus não pode, Deus não deixa você fazer nada que proporcione prazer ou satisfação física porque, em seu ego inflado, acreditar Nele já deveria ser motivo suficiente de felicidade e realização na vida. Todo o resto é inútil e pecaminoso. Na verdade, você não pode sequer OLHAR para uma mulher com desejo, pois já está pecando. Se duvida, pode consultar a Bíblia: Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher já adulterou com ela em seu coração. (Matheus 05:28).


Desconfio que, na real, Deus não gosta de mulher. A evidência que tenho para isso é seu retrospecto durante o antigo testamento, em que ele matou e escravizou um monte de mulheres e menininhas pelos motivos mais torpes e idiotas imagináveis e só parou justamente no novo testamento, quando resolveu experimentar e deu uma patacada na virgem Maria para engravidá-la do menininho Jesus. O que uma mulher não faz com um homem, né...?


Satã foi o primeiro anjo a questionar Deus
– e a pagar caro por isto.
Existiram, na realidade, duas quedas de anjos descritas na Bíblia (apocrifamente ou não), demonstrando que os mesmos eram criações pra lá de imperfeitas e desobedientes do alardeado ser perfeito. A primeira foi devido ao orgulho, a rebelião do arcanjo Lúcifer contra a autoridade de Deus na qual foi acompanhado por uma multidão de anjos menores; e a segunda a que estamos tratando aqui, que fala do desejo incontrolável dos Vigilantes pelas mulheres. Aqui temos de novo aquela ideia absurda e ignorante de que o livre-arbítrio só pode ser usado para corroborar Deus, nunca para contestá-lo. Seja como for, dá pra se ter uma noção de como o céu é um marasmo enfadonho, chato e totalmente sem graça até mesmo para os anjos, concebidos para viver lá, e que nem mesmo estes suportam esse tal "paraíso" celeste criado para abrigá-los. Dá perfeitamente pra entender.

Puts, fugi de novo. Desculpem, mas é muita merda pra um livro só! Samy sabia que estava indo diretamente contra Deus e ficou com um medo natural da punição que certamente viria do tal Altíssimo. Na verdade ele temeu que os outros anjos desistissem no meio do caminho e que só ele fosse castigado. Só que outros anjos pervertidos, que também tavam afim de vir pra cá dar um krempz nas guria, o encorajaram a seguir no empreendimento, jurando fidelidade ao pacto. Aliás essa é uma história de amizade sem igual: seus amigos o apoiaram incondicionalmente, mesmo sabendo que também sofreriam sérias consequências. Muitos outros anjos libertinos também interessados na sacanagem se juntaram a eles, e assim Samy e outros 17 amiguinhos de nomes lindos (Urakabarameel, Akibeel, Tamiel, Ramuel, Danel, Azkeel, Sarakmyal, Asael, Armers, Batraal, Anane, Zavebe, Samsaveel, Ertael, Turel, Yomyael e Arazael) lideraram um intrépido esquadrão de 200 anjos em sua aventura sexual na terra. E quando chegaram aqui, cumpriram o que planejaram: escolheram suas mulheres e mandaram ver sem dó! Mas, sabe-se lá como, engravidaram as moças (essa nem a exobiologia experimental explica), e estas geraram filhos híbridos gigantes, conhecidos como Nephilins! Alguns tinham até 11m de altura, segundo os "relatos". Tem um link a respeito no final do artigo.



Mas enfim, essa parte do livro não nos interessa. Tem uma outra mais relevante: em dado momento, nossos herois se arrependem sinceramente do que fizeram e vão pedir perdão a Deus e este, que é tão bondoso, misericordioso e amoroso com todos os seus filhos... RECUSOU! E ainda lhes reservou um castigo terrível. No capítulo VIII do Evangelho de Enoque descobrimos que nossos herois não ficaram só na safadeza sem fim... eles também ensinaram muitas coisas à mulherada: se produzir e ficar bonitonas, por exemplo! Neste caso específico, temos de agradecer a Azazyel, grande amigo de Samy (mais detalhes abaixo). Um dos maiores autores cristãos dos Séc. II e III, Tertuliano, já havia escrito que "quando estes anjos caídos revelaram substâncias ocultas e numerosas outras artes (...) deram às mulheres os instrumentos para a vaidade feminina: o brilho das pedras preciosas em colares, decorados em diferentes cores, braceletes de ouro, preparações coloridas usadas para tingir lá e o pó preto usado para aumentar a beleza dos olhos". O apóstolo Paulo dizia "portanto, a mulher deve cobrir sua cabeça (dentro da igreja, por causa dos anjos)". Para ele, aos mostrar seus cabelos, a mulher incitava à libertinagem os anjos. Parece até aquele pessoal de hoje que culpa a mulher pelo estupro, dizendo que ela "encoraja" o homem a violentá-la. Puro machismo ridículo e ostracista.

À esquerda, uma mulher de acordo com a vontade de Deus; à direita, outra mulher, usando e abusando dos ensinamentos de Azazyel. Agora seja hipócrita e mentiroso o suficiente para me dizer que prefere a 1ª.

Fora isso (como se fosse pouco), eles nos ensinaram otras cositas más:

  • Como dito antes, Azazyel é o segundo grande personagem de nossa história: além de ter ensinado todos os truque de beleza e sedução às nossas gatas, era um polímata sem igual e mostrou aos homens como confeccionar espadas, escudos e armaduras;
  • Amazarak ensinou-nos truques, enquanto Armers nos mostrou como solucionar os mesmos (estilo Mr. M, lembra?);
  • Barkayal nos ensinou astrologia (nem tudo é perfeito);
  • Tamiel nos iniciou na astronomia (agora sim!);
  • Akibeel nos apresentou ao mundo dos sinais (não faço ideia do que isso significa);
  • Asaradel nos apresentou os movimentos lunares.
Samyaza e Azazyel, a dupla dinâmica! O primeiro encorajou os outros a virem; o segundo ensinou as mulheres a dar um tapa no visual.

Pois é... nem tudo que foi ensinado era útil. Havia muita pseudociência também. Já estamos no capítulo IX e, com os Nephilins devorando todos os recursos naturais do homem (e o próprio homem), a humanidade deu um gritão tão alto que até a galera lá no céu ouviu! Os arcanjos Miguel, Gabriel, Radael, Suryal e Uriel olharam pra cá e viram a bagunça. Só que, antes de pedir ajuda de forma sucinta a Deus, em Seu ego com elefantíase Ele tem que ser bolinado durante vários minutos para dignar-se fazer alguma coisa. No livro diz que estes anjos falaram para Ele o seguinte:


Eno 09:02 - a Terra desprovida de seus filhos clamou até os portões do céu
Eno 09:03 - e agora à vós, ó santos celestiais, as almas da humanidade reclamam dizendo: obtende justiça do Altíssimo para nós. Eles então se dirigiram ao seu Senhor, o Rei, o Senhor dos Senhores, Deus dos Deuses, Rei dos reis: O trono de Tua glória é eterno e para sempre seja Teu nome santificado e exaltado. Tu és bendito e glorificado
Eno 09:04 - Fizeste todas as coisas, possuis poder sobre tudo, que é compreendido e manifestado perante ti. Contemplas as coisas e nada te pode ser ocultado


E só daí em diante eles começam a explicar pra Deus o que está acontecendo. Porra, não bastaria dizer "Deus, a humanidade precisa de Sua ajuda" ??? Já pensou você precisando urgentemente de socorro e antes tem que falar tudo isso para um policial ou bombeiro? Você morre! Mas, como disse antes, primeiro tu tem que demonstrar que é um merda totalmente inferior e suscetível a vontade Dele e lamber-lhe bastante os bagos, pra depois sim tentar arrancar alguma coisa do Hômi.
Uma passagem interessante está no próximo versículo: 

Eno 04:05 - Tu viste o que Azazyel tem feito (...) aberto ao mundo todas as coisas secretas que são feitas no céu 

Perceberam? Tudo isso já existia no céu!


Aí vem o capítulo X e o Senhor, muito bonzinho, resolve revidar, determinando algumas coisas:

  • mandou Uriel avisar a Noé que iria inundar o mundo todo
  • ordenou a Rafael que amarrasse Azazyel pelas mãos e pés, cobrisse seus olhos e o enterrasse no deserto com pedras pontiagudas, instruindo-o ainda a atirá-lo ao fogo no dia do juízo
  • e a Miguel disse para amarrar Samyaza e enterrá-lo vivo até o tal dia do juízo, quando também vai ser queimado vivo por toda a eternidade

No capítulo XIII o próprio profeta Enoque entra em cena. A essa altura, nossos herois já sabem que Deus tá uma arara com todo mundo e que vai descer o cacete geral. Com medo, pedem para o profeta interceder em seu favor. O bate-papo é o seguinte:

Eno 13:01 - Enoque então prosseguiu e disse a Azazyel: não obterás paz. Uma grave sentença foi proferida contra ti. Ele te aprisionará
Eno 13:02 - Descanso, compaixão e súplica terás, devido à opressão que ensinaste
Eno 13:03 - Em consequência de todos os atos de blasfêmia, tirania e pecado que revelaste aos filhos dos homens
Eno 13:04 - Deixando-o, falei a todos eles juntos
Eno 13:05 - E ficaram apavorados e tremeram
Eno 13:06 - Implorando que por eles escrevesse uma petição de súplica para que pudessem ser perdoados e pedindo que levasse suas orações até o Deus do céu, pois estavam impedidos de dirigir-se a Ele e de elevar seus olhos aos céus por causa da ofensa pela qual foram julgados
Eno 13:07 - Escrevi então uma petição com suas orações e súplicas, pedindo por seus espíritos a fim de que conseguissem a remissão e o descanso e de que fossem esquecidos todos os seus atos


Os caras se arrependeram. Se por consciência ou simples medo mesmo não importa, Deus ama e perdoa todos os seus filhos, e eles esperavam apenas e tão somente o mesmo tratamento dispendido aos homens aqui na Terra. Afinal, se Ele intercede por nós, não deixaria de fazê-lo por eles, não é? Não.

Eno 14:02 - (...) Escrevi vossas petições, e na minha visão me foi mostrado que, enquanto o mundo existir, vossos pedidos não serão atendidos
Eno 14:03 - O julgamento foi pronunciado contra vós. V
ossos pedidos não serão atendidos
Eno 14:04 - De hoje em diante, não mais ascendereis aos céus; Ele disso que vos aprisionará na Terra enquanto o mundo existir
Eno 14:05 - Mas antes destas coisas se passarem, testemunhareis a destruição dos vossos amados filhos; eles não serão vossos, pois pela espada tombarão diante de vós
Eno 14:06 - Nem podereis rogar nem por eles nem por vós

Eno 14:07 - Mas lamentareis e suplicareis em silêncio


A Queda dos Anjos, por Paul Gustave Doré.

Se nem suas criações diretas, os anjos, ele perdoa, que dirá nós, que nada temos a ver com ele? Deus mostrou-se um tanto cruel ao castigar não apenas os anjos mas também seus filhos e fazendo-lhes questão de mostrar isso.
Há outras coisas interessantes a serem notadas aqui. Deus, quando vê que fez merda, manda logo destruir tudo de uma vez. Ele não parece lidar muito bem com o fracasso. Se fosse na vida real, ele teria sérios problemas em aceitar a derrota e seria provavelmente taxado como uma criança mimadinha e egocêntrica.. e outra coisa que me deixa pra lá de puto (meu lado biólogo falando mais alto desta vez) é que ele não pune apenas quem fez alguma coisa, mas TUDO que existe ao redor. Um exemplo está bem abaixo:

Gên 06:05-07 - Destruirei de sobre a face da Terra o homem que criei, tanto o homem como o animal, os répteis e as aves do céu, pois me arrependo de os haver feito


Alguém pode me dizer que culpa os animais têm nessa historinha toda!? Ele se arrepende de tê-los feito por que motivo!?

Vamos finalizar. Após saber de toda a história vemos que, além de tudo, esses anjos eram verdadeiros guerreiros! Encararam mulheres grotescas e as embelezaram para que nós, que estamos aqui hoje, as desfrutemos. Samyaza e Azazyel fizeram muito mais pela humanidade do que qualquer outro, fala a verdade! Deus até pode ter criado a mulher em seu conceito básico, mas foram os anjos que as ensinaram a se tornar MULHERES de fato, desejáveis e sedutoras. E para nós!

Eles tiveram que encarar isto...
... e as transformaram NISTO. E para você.

É, queridos leitores... se elas são assim hoje, o devemos à Samy, Zazá e sua turma. Duvido que algum de vocês jamais os tenha agradecido ou sequer os reconhecido por isso.
Nem mesmo as mulheres, com suas maquiagens, cílios postiços, joias e vestimentas provocantes... tudo isso lhes foi ensinado por Azazyel.

A única questão que ficou pendente é: por que Deus não criou "anjas" para vir subverter os homens aqui da Terra? Por que só as mulheres podem se divertir, porra!? Poderia até mesmo ser a solução para a avalanche pedófila que varre a Igreja: ao invés de estuprar usar criancinhas, os padres poderiam se saciar com "mulheres" de verdade! Seria um nicho que Samyaza poderia explorar...


Aí, Samy e Zazá... #ficadica! Criem alguns súcubos pra vir tentar os homens também! E podem mandar o primeiro pra mim! ;)

Gente... que esse negócio todo de gigantes e esqueletos enormes sendo encontrados em diferentes partes do mundo é tudo mentira eu nem preciso dizer né? Mas vale à pena dar uma olhada no E-Farsas, que explica a palhaçada toda.



Hoje não tenho muitos links... mas aí vão alguns:

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Evolução: Simplificando a Teoria

Lucy, uma Australopithecus afarensis, um dos
mais antigos ancestrais conhecidos da nossa
espécie (3,2 milhões de anos), encontrado na
Etiópia.

Em primeiro lugar, se você já tem algum domínio no assunto... este texto também é para você.
Porque muitas vezes a Teoria da Evolução parece óbvia e simples para nós, mas pode haver uma certa dificuldade em se explicá-la para quem desconhece o assunto. Assim sendo, vou tentar escrever da forma mais simples, clara e sucinta possível especificamente para o público leigo – e para que você, que já entende do assunto, possa quem sabe conseguir explicá-la de maneira igualmente clara.


A molécula do DNA.
Não vou me ater ao conceito evolutivo em si uma vez que todos, mesmo que de forma errônea, fazem alguma ideia do que o mesmo signifique, mesmo que seja apenas a evolução do seu time no Brasileirão – que nem sempre é como desejamos. Aliás, este pode ser um ótimo exemplo: seu time no campeonato enfrenta desafios assim como os seres vivos na vida real. Ele nem sempre os vence mas – teoricamente – aprende com seus erros para tentar melhorar na rodada seguinte. Pode evoluir de fato e atingir um novo patamar (conquistar o título ou uma vaga importante), manter-se vivo (ficar no meio da tabela) ou “ser extinto” (cair para a divisão inferior). A escalação é formada pelos jogadores, assim como o código genético (DNA) é formado pelos genes: se o time vence, o código é mantido; caso contrário, será necessário modificá-lo (causar-lhe uma mutação) que pode ou não vir a dar certo.

Quer outro exemplo? Suas notas no antigo boletim escolar demonstravam sua evolução no decorrer do ano letivo, mesmo que não fossem tão satisfatórias como se gostaria. E que também podiam fazê-lo evoluir ou cair – aqui não tinha meio termo, era um sufoco só! Tal como nesses dois exemplos, evolução não significa necessariamente melhoria, mas sim progressão – que às vezes pode até significar retrocesso, é verdade. Não tá entendendo? Relaxe, isso vai ser exemplificado mais adiante.

Carlos Alberto, Brito, Piazza, Félix, Clodoaldo e
Everaldo; Jairzinho, Rivellino, Tostão, Pelé e Paulo
César. Para muita gente, esses "genes" formaram o
melhor código genético futebolístico de todos os
tempos: a Seleção Brasileira de 1970.
Vejam só, disse que não ia explicar o que era evolução e acabei começando... pois bem, o que vou enfatizar aqui, especialmente para os leigos e/ou incrédulos, é que a "teoria" da evolução já é um fato, comprovado e (quase) irrefutável. Por que "quase irrefutável"? Porque toda teoria científica, para ser válida, tem de ter a possibilidade de ser refutada (a ciência é humilde, a religião não), e o que a torna mais verdadeira é exatamente o fato de ninguém conseguir fazê-lo. Como a teoria da evolução.

Existem muitos exemplos que demonstram que a evolução está ocorrendo nesse exato momento. É, agora mesmo enquanto você está lendo este texto, e para demonstrar isso vou apresentar-lhes 04 áreas de diferentes abrangências para demonstrar eventos evolutivos visíveis: molecular, microscópica e macroscópicas invertebrada e vertebrada. Voilá!

Os tubos de ensaio onde os experimentos
moleculares foram realizados.
No primeiro caso, Sarah Voytek, do Scripps Research Institute (La Jolla / EUA), conseguiu "ver" a evolução em moléculas. A principal vantagem desse tipo de experimento é que as replicações ocorrem em questão de minutos, sendo possível à evolução acontecer – e ser acompanhada – em poucos dias. Ela criou um ecossistema (artificial, claro) dentro de um tubo de ensaio. As moléculas, no caso, eram enzimas forçadas a competir pela mesma fonte de alimento, que era outro tipo de molécula mais simples. Conforme se replicavam, apresentavam sensíveis diferenças com relação às moléculas matrizes, e no decorrer do processo transformaram-se em moléculas totalmente distintas daquelas. Isso se chama especiação, um dos conceitos chaves da evolução darwiniana. Veja bem, eram moléculas, agrupamentos de átomos, e não criaturas vivas. Mas ainda assim, elas evoluíram para formas moleculares mais complexas – exatamente o que se acredita ter acontecido nos primórdios da vida no planeta, com os coacervados. Além do mais, não são tão desconhecidas do grande público assim... existe uma molécula que conhecemos bem – e que nos infecta todo ano com a gripe: o vírus. Em tempo: algumas das moléculas originais desapareceram ao longo do experimento, mostrando que as mutações das concorrentes foram mais eficientes. Isto é seleção natural – outro conceito chave da teoria da evolução. 

ESPECIAÇÃO: uma população de uma mesma espécie se torna tão diferente da original que acaba criando outra, totalmente nova”

Essa é a Escherichia coli.
Com relação à evolução microscópica, um bom exemplo é a experiência conduzida por Richard Lensky, da Michigan State University (East Lansing / EUA) com uma espécie de bactéria chamada Escherichia coli. Microrganismos possuem taxa de duplicação bastante acelerada, podendo chegar às centenas de divisões em muito pouco tempo, tornando-se ótimos objetos de estudo de gerações. Em ambientes controlados, podemos aplicar-lhes condições específicas para acompanhar suas mutações.

Lensky começara a pesquisa com 12 populações quase idênticas da bactéria em 1988 e, em 2010, atingira a marca de 50.000 gerações. Todavia, algo fantástico já havia acontecido muito antes.


As 12 populações originais do experimento de Lensky. O frasco A-3, no centro à frente, apresenta turbidez justamente por abrigar a colônia mais diferente: aquela que metaboliza o ácido cítrico presente na cultura.

As colônias eram alimentadas com glicose, porque uma das principais características da Escherichia coli é sua incapacidade de absorver citrato como alimento. Aliás, essa incapacidade é tamanha que é utilizada pelos cientistas para distinguí-la de outras espécies de bactérias. Contudo, foi exatamente isso que aconteceu à altura da 31.500ª geração: elas passaram a metabolizar o citrato acrescentado propositalmente à cultura. É algo tão surreal quanto um ser humano evoluir a ponto de realizar fotossíntese! Mais que isso, a população que conseguiu tal façanha prosperou e diversificou-se, mostrando que haviam obtido sucesso em algo que jamais havia acontecido antes.


Consegue achar a mariposa branca?
O caso mais clássico de macroevolução talvez seha o das mariposas britânicas Biston betularia. Bem improvável alguém que se interesse por evolução nunca ter ouvido falar delas. Basicamente o caso ilustrava um exemplo de seleção natural provocada pelo homem, na qual as mariposas mais claras, outrora mais abundantes, gradativamente foram substituídas pela variedade melânica – preta – da espécie à medida em que a Revolução Industrial saturou o ambiente com fuligem. Desta forma, a variedade branca passou a ser mais predada pelas aves da região, ao passo que a preta, por sobreviver mais, passou a também se reproduzir mais, aumentando seu numerário e consequentemente sua população.


E a preta? :P
O que pouca gente deve saber é que aquela hipótese foi demonstrada errada décadas mais tarde. A conclusão foi provada e aceita pelos experimentos da época, sim – e não deixa de ter alguma validade – mas aqueles não eram os mais adequados para fornecer a explicação mais correta. A ciência evoluiu, os equipamentos e metodologias idem. Contudo, é exatamente esse tipo de deixa que os criacionistas precisam para invalidar toda uma teoria. Discorrerei mais à respeito na conclusão do artigo.


SELEÇÃO NATURAL: características benéficas são passadas adiante em gerações contínuas de uma espécie, ao passo que as ‘ruins’ são esquecidas e desaparecem"


Apesar disso, a hipótese das mariposas de Londres vai ficar para sempre lembrada como (não um evento de evolução no sentido literal da palavra mas) um exemplo de seleção natural, que é um dos principais mecanismos do processo evolutivo.

Ó o menino aí. Você também pode chamá-lo de
pekapeka-tou-poto, seu nome original na língua
nativa, o maori.
Mas existe um caso mais moderno (e na minha opinião muito mais curioso), o de uma espécie de morcego da Nova Zelândia, o Mystacina tuberculata. Existem aproximadamente 1.100 espécies de morcegos, mas esta é uma das duas únicas do grupo que conseguem andar pelo chão (a outra é o morcego-vampiro Desmodus rotundus). É também o último representante vivo de sua família, a Mystacinidae, que por sua vez, é a única família de mamíferos endêmica da Nova Zelândia (só existe lá). Agora que já o apresentei, vamos lá. Lembra lá no começo do texto quando disse que evolução também poderia ser um retrocesso? Este é o caso, mas novamente, não significa involução. Pelo contrário: o animal está simplesmente voltando ao seu estado ancestral original, trocando um ambiente por outro numa espécie de “retorno às origens”.

Pra que ele vai se matar pra caçar insetos voadores se
no solo tem bichinhos bem mais fáceis de se capturar?
Detalhadamente o que está acontecendo com ele é o seguinte: por perceber uma maior disponibilidade de alimento ao solo da floresta, o animal está se acostumando a procurar comida no chão, e não no ar, como de praxe. Em decorrência disso, este morcego já desenvolveu algumas especializações musculares e esqueléticas que nenhum outro possui. O resultado? Centenas e centenas de morcegos vêm até o chão para encontrar alimento (frutas, artrópodes e etc). Contribui para isso também a falta de predadores ao solo da floresta. Ou seja: eles se sentem totalmente à vontade. O biólogo que acompanha o fenômeno, Jared Diamond, afirma que estes não são apenas os mais terrestres dentre todos os morcegos, mas também indicam uma tentativa da natureza de fazer um animal voador retornar à condição terrestre (lembra da especiação?). Eles não procuram mais alimento no ar, como seus parentes, embora aind apossuam a capacidade de voar – e de fato o façam, vindo à terra apenas para procurar comida. Com o tempo, contudo, é bem provável que percam essa capacidade e se tornem animais exclusivamente terrestres novamente, como já foram um dia seus ancestrais mais basais. Pode parecer algo simples, mas existem outras histórias similares de retrocesso no reino animal cujos resultados foram espetaculares. Pesquisem mais a respeito desse bichinho da figura abaixo, por exemplo.

O nome deste animal é Pakicetus inachus, e você nem imagina o que a especiação fez com seus descendentes...

Como ficou demonstrado, a evolução ocorre mais rapidamente conforme há maior velocidade na formação de novas gerações – e mutações. As moléculas multiplicam-se em minutos; as diferenças em bactérias já podem ser visualizadas em dias; no caso dos morcegos, serão necessários talvez algumas centenas de milhares de anos para se observar modificações anatômicas significativas.

De qualquer forma, todos estes exemplos (bem como qualquer teoria científica) requerem observação, experimentação, postulação de hipóteses e confirmação ou eliminação das mesmas. Um cientista reúne fatos e procura tirar conclusões satisfatórias a respeito deles. Um religioso reúne “conclusões” (!?) nada plausíveis e tenta (só tenta) usar fatos para respaldá-las, sem nenhuma credibilidade ou sequer uma mínima acurácia científica. Em seu desespero, tenta se apegar ao que a ciência ainda não descobriu – convenientemente ignorando todas as outras respostas que ela já encontrou – para tentar invalidar tudo o que já foi descoberto até então.

Você precisa mesmo de todas as peças pra ver que
é uma paisagem?
Mas vamos lá, outro exemplo didático: pensem na seguinte analogia: quando você tem um quebra-cabeças de 500 peças e conseguiu encaixar 400 delas já se é possível ver, ainda que sem muitos detalhes, a imagem que está se formando à sua frente, sem a necessidade de se conhecer todas as peças para saber do que se trata. A reconstrução evolutiva dos seres vivos segue o mesmo raciocínio: com a disponibilidade de fósseis de que já dispomos – e que aumenta todos os dias – já podemos construir um quadro relativamente seguro da história da vida no planeta, sem precisarmos de todos os registros para isso. Com a evolução humana é a mesma coisa: não precisamos mais encontrar todas as peças para saber que de fato somos primatas derivados, parentes próximos dos chimpanzés, e não descendentes de um homem feito de lama bafejada por um velho gigante, e cuja fêmea foi feita a partir de um pedaço de sua costela...

Sim, vocês dois são parentes. Todas as teorias SÉRIAS confirmam isso, então não insista em negar.

Para os criacionistas, a grande menina dos olhos da vez são os "fósseis transicionais", os famosos elos perdidos que ligam grupos distintos de animais. Embora saibam que a ciência, especialmente no grupo de vertebrados, já encontrou praticamente todos eles, isto é simplesmente ignorado por "especialistas" que afirmam que tais fósseis não têm nada de diferente ou de espetacular. Talvez pensem que um fóssil transicional entre dois grupos distintos, como peixes e anfíbios, tenha de ser uma quimera aberrante, uma mescla de todas as características mais desenvolvidas de ambos os grupos. Um peixe com patas de sapo de fato ficaria horroroso. Mas pior que isso, ficaria muito longe da verdade. E não é necessário ser muito inteligente para se dar conta disso. Uma forma transicional une as características mais desenvolvidas do 1º grupo com as mais simples do 2º – o que é exatamente a mesma coisa.

Mas o Tiktaalik apareceu para nos dar essa resposta, assim como o fizeram o Archaeopteryx, o Furcacauda, o Cynognathus, Acanthostega e tantos outros antes dele. Através destes animais e de todos os seus predecessores/sucessores, sabemos que a evolução não se deu num estalo, num único elo perdido, mas sim em vários elos perdidos que demonstram, passo a passo, a transformação de um grupo em outro tão diverso anatômica, fisiológica e ambientalmente.

Mas sobre essas formas transicionais posso (e quero) falar mais numa próxima vez. Agora, para finalizar, quero dizer que, graças à evolução, hoje sabemos a resposta à milenar pergunta sobre quem veio primeiro, o ovo ou a galinha: foi o ovo, e quem o colocou foi (MUITO provavelmente) um réptil diapsida archosauria saurischia theropoda coelurosauria dromaeosauridae – nessa ordem. Os fatos (fósseis) nos levam à essa conclusão. Sim, a resposta é grande e confusa para o público fora da área, mas é segura. E ciência se faz com segurança.
Essa resposta pode mudar? Claro que pode! Aliás, a ciência vive se corrigindo. Diferentemente de algumas pessoas...

Claro que eu não poderia terminar sem colocar alguns links referentes ao texto que você acabou de ler. Lá vão eles:


E, se de todo modo, você ainda não se convenceu de que a evolução é real, só me resta apelar...


Lembra da Lucy lá em cima? Pois então, se não fosse pela evolução, ela jamais teria se transformado nessas mulheres.

E aí, convencido agora? ;)



Texto adaptado a partir do original publicado na revista Livre Pensamento Nº 01 (clique AQUI para fazer o download).

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A Extinção da Humanidade: Epidemia



"A fame, pestis et bello, libera nos Domine"
(da fome, da peste e da guerra, liberte-nos Deus)

UFA! Demorou mas ficou pronto! E ficou show!


Após sucessivas crises de viadagem do meu computador (estou postando de outro), uma internação por cálculo renal e tirando leite de pedra pra conseguir arrumar os 14 diários de classe das escolas, finalmente consegui terminar esse texto, que aliás tava doido pra postar!

Conforme prometido anteriormente, vamos iniciar aqui a série sobre as muitas possibilidades reais que a espécie humana tem de sumir para sempre da face da Terra.

Como já disse em outra postagem, o ser humano atualmente tem pouquíssimos inimigos naturais mas ainda os tem. E eles em nada devem, em termos de periculosidade, às grandes feras que nos vitimavam no passado.
Que as doenças sempre nos acompanharam não é nenhuma novidade. O vírus da herpes é um dos mais bem documentados nesse sentido, foi encontrado nos fósseis de nossos mais antigos ancestrais, aqueles que dividimos com nossos amiguinhos chimpanzés.

Vou aqui dar ênfase a todos os momentos históricos em que a humanidade foi reconhecidamente quase destruída por alguma epidemia, destacando as que considerei as 03 piores delas. Ah, antes de mais nada é preciso deixar algumas definições postas, uma vez que você vai ler estas palavras muitas vezes e elas confundem um pouco a cabeça. Leia lá:

  • Endemia: doença de duração contínua e localizada em uma região limitada, não se espalhando além dela (febre amarela e dengue, no Brasil).
  • Epidemia: doença infecciosa e transmissível que ocorre em uma região específica e pode se espalhar rapidamente para outros lugares, originando um surto epidêmico (gripes do Séc. XXI).
  • Pandemia: epidemia de grandes proporções, podendo se espalhar por um ou mais continentes e/ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes ou destruindo cidades e regiões inteiras. (AIDS e gripe sazonal).

Ficou esperto? Então vambora! Quando se fala em epidemia, a primeira coisa que vem à sua cabeça ééé...?
Sim, eu sei, mas pode esquecer a AIDS, se foi nela que pensou
– e é quase certo que foi. Ela há muito já não é mais o monstro que apavorou o mundo nos anos 80. Lembro perfeitamente da paranoia da época, as milhares de propagandas a respeito de grupos de risco, os cartazes falando "assim pega, assim não pega" e até uma história de que a doença era na verdade o 3º segredo nunca revelado da Virgem de Fátima, que dizia respeito a uma praga que exterminaria toda a humanidade. Acompanhei o drama de celebridades como o astro do basquete Magic Johson e o nosso cantor Cazuza... enfim, naqueles tempos, contrair AIDS era a certeza de isolamento social e uma morte horrível.

Vírus HIV (em vermelho) invadindo célula sanguínea.
Não que ela não seja mais perigosa... desde o início do surto, a exatos 30 anos, 25 milhões de pessoas já morreram e 2 milhões continuam a morrer todos os anos. Nesse exato momento existem quase 40 milhões de pessoas infectadas no mundo (a maioria na África) e, segundo a ONU, quase 7.500 pessoas contraem a doença todos os dias. Mas apesar disso tudo, a infecção desacelerou, o número de pacientes sob tratamento aumentou 12 vezes e, hoje, qualquer doente pode gozar de uma vida social tão ativa e saudável quanto qualquer um. Já existem tratamentos eficazes no controle dos sintomas e os coquetéis anti-retrovirais (ou antirretrovirais, vai saber como ficou depois da revisão ortográfica) são altamente eficazes na prevenção – ALÉM DA CAMISINHA SEMPRE! Além disso, uma vacina está cada vez mais visível no fim do túnel: dois anticorpos descobertos ano passado, VRCO1 e VRCO2, se mostraram capazes de bloquear a maioria das variedades conhecidas do HIV (veja AQUI). Atualmente, o maior inimigo na luta contra a AIDS não é nem o vírus propriamente dito, mas sim algumas pessoas...

Assim como colocamos camisinha no pênis para
prevenirmo-nos de doenças, alguém deveria colocar
uma na boca deste cidadão para poupar o mundo das
besteiras que essa múmia vomita.

Mas vamos continuar. Hoje parece pouco provável que a AIDS seja o grande aniquilador da humanidade. Mas de vez em quando o mundo entra em polvorosa com uma nova doença. Talvez alguém aí ainda se recorde de um outro vírus, que assustou o planeta inteiro em 1995 pela rapidez com que se propagava e a morte horrorosa que infligia às suas vítimas... quem se lembra do ÉBOLA?

Naquele ano o ébola, que no Brasil recebeu a medonha denominação de ebóla sabe-se lá por que cargas d'água, iniciou um surto endêmico na cidade de Kikwit, no Zaire (atual Rep. Dem. Congo) e, em duas semanas, matou 245 pessoas. Pode parecer pouco, mas foi mais gente do que a AIDS em 10 anos naquele país.
Tecnicamente, o nome da doença é febre viral hemorrágica. A vítima sofre hemorragia generalizada e todo este sangue começa a vazar pelos orifícios corporais, principalmente ânus e boca. Assim como no caso da AIDS, a falta de informações alimentou o mito de que o vírus se espalhava pelo ar e dissolvia os órgãos internos, fazendo a pessoa defecar seus intestinos ou vomitar os próprios pulmões. Tudo exagero. O que nunca foi mito é o poder de letalidade do vírus. Até porque ele nem é o único. Existem outras viroses hemorrágicas tão terríveis quanto, como as febres de Lassa, do Rift, de Marburg e a febre hemorrágica boliviana, a maior parte delas na América do Sul e África mesmo, zonas tropicais quentes. Existe até um similar aqui no Brasil, que recebou o horroroso nome de vírus sabiá!

Mas hoje em dia, até o ébola já não mete mais tanto medo. Já existe inclusive uma potencial vacina em desenvolvimento. Ironicamente, a única coisa que impede o ebolavírus de se tornar uma pandemia mundial é... ele próprio! Suas vítimas morrem tão rápido que simplesmente não têm tempo de contaminar outras pessoas. Todavia, é exatamente essa característica que o torna um belo candidato à arma biológica (e já houve quem tentasse).

Se a própria morbidade do vírus o impede de se propagar, vamos pensar então em algo que não cause morte imediata (mas seja fatal), passe imperceptível e seja altamente contagioso. Algo assim contaminaria o mundo inteiro em questão de semanas! Isso é perfeitamente possível na atualidade e inclusive já vêm acontecendo. Vamos a um exemplo prático: em velocidade de cruzeiro, um vôo de São Paulo a Nova York dura aproximadamente 10 horas; de lá até Londres, outras 10 horas; da capital inglesa à Paris, míseros 35 minutinhos; da cidade-luz até Tóquio, 19 horas e, de lá de volta para São Paulo, cerca de 25 horas. Ou seja, se eu estiver infectado com uma doença com essas características, posso iniciar uma pandemia mundial... em menos de 03 dias. 
E de todos os agentes patógenos possuidores de tais características, o que obtém mais sucesso nesse sentido é o vírus da... GRIPE. Somente neste século, que acaba de completar sua primeira década, já tivemos 03 surtos (ou sustos, também é apropriado) dessa doença: SARS-CoV, H5N1 e H1N1, mas você deve conhecê-los melhor pelos nomes de suas doenças, apresentados a seguir.


Mas antes, por que diabos tanta gripe! Por um motivo extremamente simples: esse vírus é um dos mais insanamente versáteis que se conhecem. A facilidade de sofrer mutações e/ou recombinações é característica dos vírus RNA, dos quais já existem mais de 5 mil tipos (cepas) reconhecidos, entre os quais os da gripe.

A SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave, na sigla em inglês) "apareceu" na China em novembro de 2002 e, até julho de 2003, já havia infectado 8.273 pessoas e tirado a vida de 775 delas. Embora tenha se concentrado na Ásia, especialmente no sudeste do continente, e ter dizimado menos de 10% das vítimas, o que chama a atenção aqui é que, em questão de semanas, o vírus conseguiu se espalhar por 37 países em quase todos os continentes.

Mais uma vez, a histeria deu pano pra manga para um monte de bobagens, como a teoria de que a SARS na verdade era uma arma biológica criada pelos EUA para dizimar a população chinesa, temerosos de sua ascenção econômica e militar... sempre tem alguém pra falar e espalhar merda. O reservatório natural do vírus nunca foi encontrado, embora suspeita-se de que seja um tipo de gato selvagem da região, a civeta. O bicho é uma iguaria muito consumida na China (aliás, lá tudo que se mexe é uma iguaria...), e o contato com a nossa espécie fez o vírus sofrer uma mutação a qual tornou-o possível infectar seres humanos. Qual foi a inteligentíssima solução encontrada? Soltá-los? Claro que não... matar todos eles, claro! Simplesmente fazer o mais fácil (deixá-los em paz) nem pensar! Interessante notar que, em nosso desespero por alimentar um mundo entupido de gente, devoramos qualquer coisa que nos aparece na frente e, se ela for hospedeira de algum parasita grave PARA NÓS, então temos que matar tudo para "proteger-nos"...

Mas o mundo logo esqueceu a SARS porque, ainda em 2003, apareceu a GRIPE AVIÁRIA que, embora tenha infectado e matado menos que sua predecessora (508 infectados e 302 vítimas) conseguiu se espalhar bem mais: 60 países da Ásia, África e Europa. A taxa de letalidade também foi muito mais alta: quase 60%.

Neste caso, como no anterior, a suspeita é de que o vírus H5N1 conseguiu infectar seres humanos a partir de aves, inicialmente migratórias, posteriormente domésticas. Além de pessoas, contaminaram também animais que caçaram essas aves, como gatos selvagens e doninhas. Na verdade, na grande maioria dos países não ocorreram necessariamente mortes HUMANAS, mas foram encontrados pássaros selvagens portadores do vírus. Esta é uma capacidade notável (mais uma) desse vírus: consegue infectar animais  nunca antes suscetíveis a ele, como gatos domésticos por exemplo. Esta nova cepa do vírus notabilizou-se por ser mortal para outros animais além das aves hospedeiras, algo totalmente novo até então.
Dezenas de milhões de galinhas morreram sob consequência direta do vírus mas, ainda seguindo o infeliz exemplo anterior, CENTENAS de milhões foram mortas a porretadas, queimadas ou enterradas (muitas ainda vivas) como "medida de prevenção".

Perceba a evolução em curso aqui: em uma gripe comum, o vírus passa de um ser humano para outro; no caso da SARS, ele foi transmitido de um mamífero (civeta) para outro (o homem); agora, ele passou de um pássaro para um mamífero organismos fisiologicamente cada vez mais diferentes entre si a cada surto gripal. A facilidade com que o vírus conseguiu realizar uma mutação (ou uma recombinação genética) tão relevante nos mostra o quão poderosos eles podem ser. Mesmo infectando e matando menos gente do que sua predecessora, o "mérito" da gripe aviária foi se espalhar por mais países totalmente desapercebida, deixando bastante claro ao mundo que as "inofensivas" gripes sazonais de todo ano haviam ficado no passado e que, com a globalização, qualquer doença grave em qualquer lugar do mundo agora tem potencial para se tornar uma pandemia planetária. E foi exatamente o que aconteceu em seguida...

Se o mundo já havia se assustado com a SARS e a Gripe Aviária, em 2009 a GRIPE SUÍNA chegou para mostrar que as coisas sempre podem piorar MUITO! Dessa vez, a coisa foi realmente feia: praticamente todos os países do mundo foram afetados, com poucas exceções na África e pouquíssimas na Ásia, América e alguns microestados europeus e oceânicos. Além disso a praga, originária do México, matou, até agosto de 2010, quase 20 mil pessoas e infectou assustadoras 1,63 milhão! Foi a primeira pandemia mundial do Séc. XXI. Assim que souberam que o vetor do vírus eram os porcos, nem preciso dizer o que aconteceu né?

Alguns não tiveram nem a decência de matá-los
antes, e os enterraram ainda vivos.
Mas todos esses surtos gripais deste século na verdade provocam mais pavor que o necessário. Hoje em dia as medidas profiláticas, a assepsia e o controle de vetores, além do tratamento e contenção de doentes, são incontáveis vezes mais eficientes do que em qualquer outra época da história. E esse era justamente o problema de nossos bisavós... estes sim enfrentaram possibilidades reais de pandemia mundial. Mesmo a gripe suína com seus 14 mil mortos é suave, até mesmo aceitável, quando comparada a outros surtos virais, como a gripe asiática de 1958, que ceifou a vida de 2 milhões de pessoas (bem mais que as 775 do surto de 2003), a gripe de Hong-Kong de 1969, que matou 1 milhão de pessoas, e até mesmo a insípida gripe comum, que mata entre 250 e 500 mil pessoas todo ano até hoje. É isso aí... a gripezinha chatinha que derruba você todo inverno também pode matar.
E não podemos nos esquecer, claro, da maior catástrofe biológica do Século XX – a GRIPE ESPANHOLA de 1918.

O mundo estava acabando de sair de uma guerra mundial, que expunha à humanidade todos os horrores de um conflito estúpido que matou mais de 9 milhões de pessoas nos campos de batalha e agora tinha de enfrentar um novo inimigo, comum a todos, e que matou muito, mas MUITÍSSIMO mais gente que a própria guerra! Tudo parecia lembrar o que acontecera 570 anos antes numa mesma Europa devastada.

Remoção de cadáveres da gripe em St. Louis (EUA).
A primeira vez que apareceu, em fevereiro de 1918 principalmente nos EUA, se comportou como uma gripe comum: Incomodou, mas não desesperou. Além do mais, a guerra estava em seu fim e os países em conflito não podiam se dar ao luxo de perder soldados em virtude de uma gripezinha qualquer. Mas quando ela retornou, em agosto, assolou o mundo inteiro... e tornou-se letal.

Nas estimativas mais otimistas varreu do mapa não menos de CINQUENTA milhões de vidas humanas. Lembre-se que, à época, a população mundial era de 1,86 bilhão de pessoas ou seja, a gripe matou ao menos 03 em cada 100 seres humanos no mundo todo! E não se esqueça também de que ela infectou 0,5 bilhão de pessoas ou seja, mais de 1/4 de todas as pessoas do planeta! Que merda! Só que, como disse antes, esta é a estimativa mais otimista. Se considerarmos as mais realistas, o número pode chegar a até CEM milhões de pessoas mortas no mundo todo.

Hospital militar lotado de doentes da gripe de 1918.
O pandemônio foi geral. Cidades que já eram grandes à época, como São Paulo e Rio de Janeiro, ficaram desertas, ninguém saía às ruas. No pólo norte, tribos inteiras de esquimós simplesmente sumiram. Na Europa, os mortos multiplicavam-se tão rapidamente que não haviam caixões suficientes, e os velórios tinham tempo limitado a minutos. Não houve lugar no planeta onde ela não chegou. Até o ártico e ilhas isoladas do Pacífico foram atingidas. As vítimas morriam afogadas (!), pois seus pulmões se enchiam de fluído. Há relatos de que nos estágios finais a pele da pessoa ficava tão escura que não era possível discernir entre brancos e pretos. Estranhamente, ela se tornou mais mortal entre os jovens e adultos (a gripe comum afeta mais crianças e idosos). Os acampamentos militares europeus, cheios de soldados, foram atingidos com tudo.
No geral, a Gripe Espanhola matou não apenas mais que a 1ª Guerra Mundial, mas mais do que ela E a 2ª Guerra Mundial somadas à todas as vítimas da AIDS até hoje. Foi um dos maiores desastres naturais da história humana.

Propaganda nazista associando o tifo
aos judeus. Hitler deve ter sido carcado
por um judeu bingoludo... só pode!
Uma curiosidade: o nome "Gripe Espanhola" é apenas usual. Hoje acredita-se que a doença, na verdade, veio dos EUA através das tropas americanas que iam combater na Europa. É um costume imbecil nomear doenças com nomes de fora: na Idade Média, a sífilis era chamada pelos franceses de "mal napolitano", enquanto os italianos a chamavam de... "mal francês". Na verdade a Espanha, país neutro na 1ª Guerra Mundial, era o único país europeu que não impunha censura à imprensa por isso as primeiras notícias sobre a gripe apareceram lá, e o nome pegou. Na própria Espanha, a gripe era chamada de "russa"; na Rússia, de "siberiana"; e na Sibéria, de "chinesa". Ninguém queria ficar com a fama de causador da doença. Algo simlar aconteceu em 2009: o México protestou contra o que estava sendo chamado de "gripe do México" e o nome mudou para "gripe do porco". Aí quem despirocou foram os judeus, porque para esses idiotas o porco é um animal "impuro" e eles não aceitavam que a doença fosse chamada assim. Pura babaquice.

Detalhe: foi o mesmo vírus que atacou em 1918 e agora em 2009. A diferença no numerário de mortos reflete-se na melhoria da saúde pública e do conhecimento acerca da doença de uma forma geral no mundo.

Depois dessa você pensa: pode ter havido coisa pior?

Não só pode, como houve... e se chamou PESTE NEGRA.

O Triunfo da Morte, de Peter Bruegel, "o Velho" (1562). A obra retrata realisticamente o horror que foi
a Peste Negra na Idade Média, a pior epidemia da história da humanidade.


Uma filha da puta aqui...
Dessa vez a desgraça toda foi causada por uma bactéria, a Yersinia pestis (daí o nome "peste"), que vive no intestino da pulga do rato. Nenhum vírus, bactéria ou qualquer outro microrganismo em toda a história destruiu uma proporção tão grande da humanidade em uma única epidemia. O surto começou na China em 1331 e foi viajando juntamente com mercadores e comerciantes através de rotas comerciais pelo continente asiático até bater à porta da Europa dentro de navios vindos da Turquia (carregados com produtos E RATOS CHEIOS DE PULGAS) que aportaram em Gênova, na Itália em 1347. A doença matou 30 milhões de pessoas só na Europa, e outras 25 milhões de pessoas pela Ásia. No geral, foram entre 75 e 100 milhões de pessoas no mundo todo.


... e outra filha da puta aqui.
"Ah, a Gripe Espanhola matou mais gente"! Peraí, calma lá... há de se considerar pelo menos dois fatores aqui: 1) devido à própria precariedade de informações da época não se sabe quantas vítimas a doença fez no extremo oriente e na África, por exemplo. Existem apenas estimativas a respeito, e todas são bastante pessimistas; e 2) em termos proporcionais a gripe de 1918 matou 3% da população mundial, enquanto a peste levou embora algo em torno de 15% – e mais de 1/3 da população total da Europa. Em termos numéricos, existem controvérsias sobre qual matou mais, mas em termos percentuais não resta a menor dúvida de que a Peste Negra foi muito mais destruidora. Na época em que invadiu a Europa a população mundial era de aprox. 450 milhões de pessoas. Mesmo 50 anos depois do fim da epidemia, ainda haviam entre 75 e 100 milhões de pessoas a menos no mundo. Algumas fontes citam até 140 milhões de mortos. A população da Europa demorou quase 200 anos para se recompor a seus níveis pré-peste.

Foi a única vez em toda a história da humanidade em que sua linha de crescimento populacional fez uma curva negativa. Nem a Gripe Espanhola, a AIDS ou as guerras mundiais somadas conseguiram nada sequer parecido.


Então dessa vez não foi um vírus, mas uma bactéria. Será?


A possibilidade tem seus contestadores. Muitos questionam diversos pontos da teoria de que foi mesmo peste bubônica a doença que destruiu a Europa. Alguns, como o zoólogo britânico Graham Twigg, defende que a causa foi mesmo bacteriológica, mas a doença teria sido uma epidemia de antraz pulmonar causada pela bactéria Bacillus anthracis. Os epidemiologistas Susan Scott e Christopher Duncan, da Universidade de Liverpool, criaram a teoria de que a Peste Negra pode ter sido causada por um vírus como o Ébola, e não por uma bactéria. Outros afirmam que na verdade foi uma péssima combinação de doenças a partir de um pool de microrganismos, que foram lentamente enfraquecendo e minando a capacidade imunológica dos europeus até receberem o tiro de misericórdia – a Peste. Há ainda aqueles que associam a doença a alterações atmosféricas provocadas por quedas cósmicas (pode ver isso AQUI)... enfim, mesmo sem se saber O QUE ou COMO tudo aquilo aconteceu, não se tem dúvidas sobre a hecatombe provocada pela doença. Mas por que a catástrofe foi tão cabulosa a esse ponto? Existe uma série enorme de fatores a considerar.


Nos três primeiros séculos do 2º milênio da Era Cristã a Europa viveu uma era de estabilidade sem igual até então, o que levou a um aumento da fertilidade e da população – e, consequentemente, à inevitável escassez de alimentos (pensam que isso é coisa só dos dias de hoje?). A Grande Fome de 1315 já havia se encarregado de matar 10% da população europeia. A Guerra dos Cem Anos, um conflito territorial entre França e Inglaterra, além de mais mortes, contribuiu também para o esfacelamento da agricultura e da economia. Os enormes custos dessa guerra ridícula levaram a calotes financeiros (pensam que isso também é coisa só dos dias de hoje?) por parte das nações em disputa, que haviam pedido empréstimos a bancos de Florença e Siena e que levaram a Itália à uma grave crise financeira... a Europa do Século XIV foi um lugar onde tudo, tudo, TUDO, TUDO, TUDO deu muito, muito, MUITO, MUITO, MAS MUITO errado! O continente foi surrado por uma série de eventos trágicos, naturais e/ou humanos antes da chegada daqueles navios à Gênova. Quando os ratos entraram, já encontraram uma população faminta, enfraquecida e substancialmente desprotegida.


Placa no Porto de Weymouth, na Inglaterra. Quase
nenhuma região da Europa ficou livre da praga.
Islândia e Polônia conseguiram se salvar.
Existe também uma razão biológica para o sucesso da doença. Os europeus, assim como os índios americanos à época dos descobrimentos (verá mais sobre isso ainda neste artigo), não eram imunes à bactéria. Por isto mesmo, "a Peste Negra foi uma das mais fortes influências seletivas sobre a espécie humana nos últimos milhares de anos", conforme afirma Johannes Krause, pesquisador chefe e professor da Universidade de Tübingen, Alemanha. Ele ainda acrescenta: "as pessoas que foram menos suscetíveis devido à mutações naturais podem ter sobrevivido e se espalhado."


Uma das muitas tentativas dos cristãos de "resolver"
o problema era queimar judeus. A Santa Inquisição
havia-os acusado de envenenar os poços da cidade
– o que eles admitiram, sob cruel tortura.
Mas é claro que isto por si só não explica a letalidade da praga. Vale lembrar que, no Séc. XIV a pobreza, a desnutrição e A RELIGIÃO dominavam o cenário europeu em larga escala – isso sem falar no conhecimento médico da época, praticamente nulo. Num tempo conhecido como Idade das Trevas, em que a Igreja Católica controlava a tudo e a todos, proibindo a divulgação de qualquer ideia que contrariasse seus dogmas escrotos e transformando em carvão qualquer um que sequer tentasse fazê-lo, a Peste Negra foi associada (pela Igreja, claro) à ira de Deus, ao Demônio, a uma “conjunção planetária que envenenou o ar”, aos judeus, aos estrangeiros, às bruxas, aos mendigos, aos leprosos e a toda sorte de "inimigos", menos ao único deles – os ratos.

Mais uma ideia muito inteligente... orar bastante e se
auto-flagelar para Deus, a fim de expiar os pecados.
Desnecessário dizer o quanto foi inútil.
Mas o que explica essa quantidade absurda de ratos? Em primeiro lugar, os europeus de quase 700 anos atrás não eram tão frescos e abichalhados como os de hoje. Imundície, fedor e ratos eram coisas absolutamente banais e cotidianas para eles. Idem às suas cidades com ruas entupidas de lixo e tabernas lotadas de pessoas cheias de pulgas e carrapatos. Ver um monte de ratos mortos – o prenúncio da catástrofe – não lhes foi nenhum problema digno de consideração.


Mas existe uma outra causa que muitos especialistas apontam como crucial para o sucesso da praga... os gatos.


Ou, na verdade, a falta deles.


Aqui há de se levar em consideração todo o contexto histórico da Europa. O continente era – e ainda é, sejamos realistas – o centro cultural do mundo. Dos antigos impérios europeus do passado (como o Romano e o Grego) e mesmo de culturas menores, muito ainda manteve-se no cotidiano das pessoas, inclusive as religiões.



A deusa nórdica Freyja, ladeada por gatos. Juro
que não consigo entender por que os cristãos
não gostaram dela. Esses religiosos...
Só que aí a Igreja Católica (sempre ela!) começou a ver com maus olhos aquela diversidade cultural toda e resolveu empurrar seu monoteísmo na goela das pessoas na marra. Disposta a eliminar qualquer indício de paganismo (leia-se antigas religiões), associou ao Demônio tudo que fosse a ele relacionado... inclusive os gatos, presentes em muitos cultos ancestrais, como o da linda deusa Freyja, que viajava em uma carruagem puxada pelos felinos.


O idiota papa Gregório IX escreveu na bula Vox in Roma em 13 de junho de 1233 que os gatos (especialmente os pretos) caíram dos céus como Lúcifer ao ser expulso do paraíso. O ridículo bispo de Paris Guillaume d'Auvergne disse em 1235 que a forma de Satanás se mostrar a seus fiéis era como um gato. E aí a merda tava feita.



Isto poderia ter salvo a Europa.
O Dia de Todos os Santos, data importantíssima para as velhas religiões (pagãs), era comemorado, pelos cristãos, jogando-se sacos cheios de gatos vivos em fogueiras nas ruas, numa espécie de vitória (!) de Cristo contra o Demônio. O animal converteu-se em bode expiatório para as tentativas de "purificação" da Igreja Católica. Essa prática cristã de queimar gatos acabou por estender-se a qualquer tipo de comemoração, eles matavam gatos por qualquer motivo ou mesmo sem nenhum, o que quase acabou com a população felina no continente. E já dizia o ditado: quando o gato sai... os ratos fazem a festa!
No final das contas, a própria Igreja favoreceu a multiplicação de roedores, que carregavam consigo algo trilhões e trilhões de vezes mais "demoníaco" que os inocentes gatos: A peste. E assim, contribuiu para que a Europa sofresse o maior flagelo de sua história.


Enfim, uma reação em cadeia absolutamente bizarra que fez absolutamente tudo certo... pra dar tudo absolutamente errado. E deu.


Covas coletivas tiveram de ser cavadas às pressas em toda a
Europa. Esta daqui foi
descoberta em Veneza, Itália...
A peste bubônica não era necessariamente uma novidade para a espécie humana... na verdade, já nos era até bem conhecida. O que nunca se teve ideia era de como combatê-la. Antes delas, ocorreram inúmeros surtos em diversos países da Europa, Ásia e África... a maioria na antiguidade, mas aconteceu até em Madagascar em 2008! Isso mesmo, a apenas 03 anos, demonstrando claramente que, se as condições forem favoráveis, a doença volta com tudo.

E que condições são essas? Coisas dificílimas e absolutamente impossíveis de se realizar, como saneamento básico, higiene, educação sanitária e controle de roedores. Ou seja: CONSCIENTIZAÇÃO.


... e, esta aqui, na Inglaterra. Não haviam mais caixões, nem
espaços individuais para sepultamentos.

De todas as crises de peste que assolaram a humanidade, além da Peste Negra também a de Justiniano merece destaque. Em 542 a capital do então Império Bizantino, Constantinopla, foi atingida pela doença, no evento que ficaria conhecido pelo nome imperador na ocasião, Justinianus. Se temos dificuldades em computar o número de mortos de crises em pleno Século XX, imagine então a quase 1500 anos! A contagem final jamais será plenamente conhecida, mas estudos atuais sugerem que, no auge da epidemia, até 5000 pessoas morriam na capital... por dia. Provavelmente só ali 40% da população se foi. Até 1/4 da população humana da parte oriental do Mediterrâneo foi eliminada. Estima-se que a Peste de Justiniano matou cerca de 25 milhões de pessoas em todo o mundo conhecido.



Em tempos modernos, a maior foi a chamada Terceira Praga (em alusão à Praga de Justiniano e à Peste Negra), que começou em 1855 na província chinesa de Yunnan e durou 100 anos, tendo abrangência mundial. Massificou-se pra valer no Oriente, onde matou 12 milhões de pessoas na Índia e na China, e foi considerada finalmente terminada somente em 1959. Os últimos surtos significativos associados com a pandemia ocorreram no Peru e na Argentina em 1945. Enfim, se quiser saber mais sobre a maior pandemia de todos os tempos, veja um excelente documentário do History Channel AQUI.


De arrepiar, não? Mas se você não reparou, até agora dei ênfase apenas a grandes pandemias, daquelas que aparecem do nada, devastam grandes áreas e levam consigo milhares, milhões de vidas para, em seguida, desaparecer ou então se tornarem endêmicas. E é exatamente com relação às endemias que uma merece destaque...

Puta que pariu! Então tem coisa pior ainda!?

Não tem mais, mas tinha... e se chamava VARÍOLA.


Vítimas da varíola ao redor do mundo (Japão, EUA, Bangladesh e Índia).

Você nunca contraiu ou conheceu alguém que já, mas com (quase toda) certeza já ouviu falar nesta que é uma das doenças mais horrorosas das que já se abateram sobre nossa espécie. Sério, o nome é tão feio quanto o estado sob o qual o doente padece.

O maior assassino de todos os tempos.
Aqui voltamos a ter um vírus, o Vaccinia virus – é por causa dele que hoje tomamos VACINA: a primeira a ser produzida foi justamente para combater a varíola. Trata-se de um dos pouquíssimos vírus que são tão grandes a ponto de ser possível observá-lo sob microscópio óptico. Apenas ele e o vírus MCV (chamado "molusco contagioso", não me perguntem porquê) são tão grandes. Esta foi uma epidemia que castigou o mundo por séculos a fio e que, só no século passado, matou por volta de... 500 milhões de seres humanos. Você não leu errado, mas eu vou repetir: QUINHENTOS milhões. A partir dos anos 1950 aproximadamente 50 milhões de novos casos apareciam a cada ano. Em termos numéricos absolutos, foi o maior assassino biológico da espécie humana em todos os tempos.

A doença foi responsável por pandemias históricas da antiguidade, como a Praga de Antonino, em 165 A/C, que matou 5 milhões de pessoas, arrasou o até então imbatível exército romano, durou 15 anos e destruiu a Itália e a Gália, matando até 3000 pessoas por dia em seu pico.

Outra que se atribui à varíola foi a Praga de Cipriano, que abateu-se sobre o Império Romano em 250 e atingiu seu auge 20 anos depois. Com ela iniciou-se a queda definitiva do império pois, com grande parte da população morta, não havia de quem cobrar impostos ou como formar novos exércitos. Aqui também, tal qual na Peste Negra, os camponeses fugiram em desespero para cidades superpovoadas, originando novos focos e contribuindo duplamente para aumentar ainda mais a catástrofe, pois abandonaram os campos de cultivo que poderiam disponibilizar alimento. À época, pensava-se mesmo que a humanidade não sobreviveria.
Ela também foi responsável pelo declínio da civilização hitita em 1350 A/C. Epidemias de varíola na Inglaterra no Séc. XVII chegavam a matar 1/6 dos recém-nascidos. Ainda com relação à crianças, matava quase 15% de todos os recém-nascidos na Rússia do Séc. XVIII e, em algumas culturas antigas, as crianças só recebiam nome se sobrevivessem à doença primeiro.


A deusa Shitala "abençoava" os
hindus com a varíola, mas ela
própria não tinha a doença!
Cômodo...
Todos os números relacionados à varíola são grandes. Na Revolução Americana dos anos 1770 matou 125 mil pessoas, e na Guerra Franco-Prussiana de 1870, 500 mil. Calcula-se que somente no Séc. XVIII, quando ainda era uma endemia mundial, a varíola tenha exterminado mais de 60 milhões de pessoas. Face a uma moléstia tão devastadora, o negócio era "entregar pra Jesus". Ou, no caso, para Shitala-Mata, a deusa hindu da varíola. É... a doença era tão fodona que tinha até uma deusa exclusivamente pra ela, lá na Índia! Mas isso nem é tão estúpido... a insensatez maior era o fato de que, para seus fiéis, ter a doença era uma BÊNÇÃO!!! Poder exibir suas marcas horrorosas era um sinal da graça divina... puts! Ah, e a vacinação era rejeitada, pois era vista como uma forma de recusa à deusa... ai ai. Ei, se você é cristão não critique não... lembre do que a Igreja Católica fez lá na Europa durante a Peste Negra E DO QUE AINDA FAZ NA ÁFRICA COM A AIDS.


Como toda doença sem controle, a varíola também foi democrática e não poupou raça, sexo ou classe e matou, além de crianças e miseráveis, monarcas europeus, imperadores chineses, czares russos e califas árabes. Existe uma extensa lista de líderes e celebridades que morreram e mesmo que sobreviveram à varíola, embora severamente marcados como a rainha Elizabeth I da Inglaterra.


Acredita-se que a varíola tenha começado a encher o saco da humanidade a partir de um reservatório animal original (uma pesquisa sugere o camelo!) a mais ou menos 12.000 anos, quando dos primeiros assentamentos permanentes de agricultores. Os aglomerados humanos então tornaram-se grandes o suficiente para garantir uma transmissão regular do vírus, até o momento em que o mesmo gostou tanto de nosso corpitcho que passou a viver apenas dentro da espécie humana – seu único (e maior) erro.


Janet Parker, a última pessoa a morrer
de varíola no mundo.
Por quê? Porque apesar de seu histórico devastador (entre 25% e 30% de letalidade), a varíola também é o primeiro caso de vitória da humanidade sobre as doenças: foi a única a ser totalmente erradicada a nível mundial. Está extinta desde 13 de setembro de 1978, desde que a fotógrafa Janet Parker contraiu acidentalmente a doença num laboratório da Inglaterra. Antes dela, o último caso natural foi o cozinheiro hospitalar Ali Maow Maalin, de 23 anos, em 26 de outubro de 1977 em Merca, na Somália. Foi o maior esforço de vacinação em massa da história. Esse êxito retumbante da humanidade só foi possível porque o vírus tem justamente aquela fraqueza terrível: ter apenas o ser humano como hospedeiro, não conseguindo sobreviver dentro de nenhum outro tipo de célula.
Contou contra também o fato de ser um vírus DNA, uma vez que vírus desse tipo não têm alta taxa de mutação e se tornam assim bastante suscetíveis à uma vacina
exatamente o oposto dos vírus RNA, como os da AIDS e da gripe.
País após país, a varíola foi sendo eliminada até a completa aniquilação. O Brasil recebeu o Certificado Internacional de Erradicação da Varíola em 1973.


CDC de Atlanta.
Apesar de ter sido erradicado do planeta, o vírus ainda existe. Na verdade, há apenas mais 02 amostras dele no mundo todo: uma no Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta (EUA) e outra no Instituto Vector, em Novosibirsk (Rússia). EM 1980 a Organização Mundial de Saúde determinou que todos os 76 laboratórios que mantinham amostras em todo o mundo destruíssem seus estoques. À excessão dos citados acima, todos o fizeram. Determinou o mesmo em 1993, mas eles não destruíram. Determinou o mesmo em 1995, mas eles não destruíram! Determinou o mesmo em 1999, mas eles não destruíram!! Aí veio o Osama bin Laden e seu ataque de pelanca contra o World Trade Center em 2001, a ameaça de guerra biológica com o antraz logo depois... e a OMS passou, em 2002, a defender sua manutenção para se desenvolver novas vacinas caso o vírus reapareça. Os EUA têm estoques consideráveis da vacina, e naquela época os figurões do país foram todos imunizados, inclusive uma das poucas pessoas que mereceriam de fato morrer de varíola, como o ex-presidente George W. Bush.


O problema maior de um retorno da varíola é que a vacinação foi interrompida à mais de 30 anos, em 1980. Desde aquela época, a população do mundo aumentou 40% – e todo esse povo não tem imunidade alguma. Mesmo as pessoas vacinadas no passado não estão necessariamente protegidas, pois o nível de imunidade é incerto e, portanto, também são consideradas suscetíveis. A maioria dos estudos sugere que a imunidade permanece por apenas 03 a 05 anos. Já pensou que merda seria se ela fosse novamente solta no ar de um grande centro populacional?

Cena do Codex de Florença, livro do início do Séc.
XVI de autoria do espanhol Bernardino de Sahagún
mostrando índios astecas doentes com varíola.
Aliás, é exatamente sobre guerra biológica que está a história mais famosa (e triste) a respeito da varíola. Ela chegou às Américas junto com os espanhóis no Séc. XVI e, em contato com as populações de índios sem nenhuma imunidade que haviam por aqui, assumiu proporções trágicas. A doença até então era desconhecida no Novo Mundo e foi introduzida pelos europeus, tornando-se uma espécie de arma secreta que, muito mais que espadas, armaduras, mosquetes, arcabuzes e cavalos, determinou a queda dos impérios Asteca e Inca. Assim como os europeus de 1347 não eram imunes à peste bubônica, os americanos também não o eram agora com relação à varíola, e a matança foi hecatômbica. Estima-se que somente nos 02 primeiros anos de contato cerca de 3,5 milhões de astecas morreram vitimados pela doença.
A doença foi vital para a colonização dos EUA e do Canadá, destruindo tribos indígenas inteiras a partir do Séc. XVII. Algumas dessas epidemias foram deliberadamente causadas pelos colonizadores brancos, conforme comprova esta correspondência entre Sir Jeffrey Amherst, comandante-em-chefe das forças britânicas na América do Norte, e o coronel Henry Bouquet, em 1763, na época da rebelião indígena no rio Potomac:



“Não seria possível inventar um meio de difundir a varíola entre estas tribos de índios desleais? Neste momento, devemos utilizar cada estratagema em nosso poder para reduzir seu número.
Tentarei inocular (...) fazendo cair em suas mãos alguns cobertores e tomando cuidado para não me contaminar.”

O pulha "deu" aos índios cobertores e lenços infestados usados por soldados ingleses doentes. A doença destruiu tribos inteiras e, em alguns lugares, as casas eram simplesmente demolidas em cima das famílias mortas para que lhes servissem como túmulo, dada a impossibilidade de enterrá-las em tempo hábil. O chão de algumas aldeias ficou coberto de corpos. O botânico e explorador sueco Pehr Kalm escreveu em seu livro "Viagens na América do Norte" de 1770:

"Os lobos não vieram aos campos indígenas apenas comer cadáveres mortos pela varíola, mas também atacaram, mataram e comeram os doentes."

Intencionalmente ou não, em 100 anos a população original caiu de 25 milhões para menos de 3 milhões de índios. A varíola não destruiu apenas os 02 grandes impérios americanos da época. Virtualmente todas as populações indígenas do continente que fizeram contato com os europeus, grandes ou pequenas, foram duramente atingidas, desde esquimós no Alasca até índios no Chile. O vírus varreu o continente inteiro. Em termos de porcentagem de uma população, a varíola foi muito mais feroz para os índios americanos que a peste bubônica para os europeus.

A Queda de Tenochtitlán, autor desconhecido, Séc. XVII. A
varíola foi determinante para a vitória dos espanhóis em sua
luta contra os astecas.


Triste, não? Mas além dessas grandes pestes, não podemos nos esquecer das endemias que sempre existiram e, pelo andar da carruagem, sempre vão existir e flagelar a humanidade. Doenças absolutamente simples que se resolveriam com uma simples questão de saneamento básico, água potável e controle de vetores (quase sempre roedores e/ou mosquitos).


É esse putinho aí, o Aedes aegypti, que nos
transmite febre amarela, dengue...
A FEBRE AMARELA, doença endêmica dos trópicos, também já nos deu seus sustos. Ocorreram aproximadamente 30 epidemias da doença, principalmente nos séculos 18 e 19, em que o numerário de mortos frequentemente chegava à casa das dezenas de milhares, como na Filadélfia em 1793 (10 mil), Haiti em 1802 (40 mil) e Vale do Mississipi em 1878 (20 mil). Só na África, no decorrer de todo o Séc. XX, matou 1 milhão de pessoas. Ou seja, já meteu bastante medo...

... mas não mais. Embora continue fazendo vítimas, atualmente nem merece destaque em qualquer lista de grandes doenças da humanidade. Ainda é endêmica na África e América do Sul embora nesta última já esteja praticamente controlada, com menos de 300 casos anuais. E tudo por causa de um mísero mosquito!




Outra doençazinha triste que encheu bastante o saco do homem até os anos 1940 foi o TIFO, também conhecido como "febre da guerra" ou "febre da prisão" em virtude de sua ocorrência durante e após conflitos e também em cadeias. Ela é causada por uma bactéria, a , cujo vetor é um bichinho pequenininho e chatinho que está conosco a milhões de anos, desde Lucy: o piolho. É ele que nos infecta com Salmonella typhi, a bactéria que faz a sacanagem toda.


A Peste de Atenas, de Michiel Sweerts..
Trata-se de outro mal do qual não se ouve mais falar, em virtude do sucesso da vacinação e do controle do vetor, mas no passado o tifo foi uma das piores doenças da nossa espécie, responsável por milhões de mortes e epidemias famosas, como a Praga de Atenas em 430 A/C, que dizimou 1/4 da população ateniense e marcou o início do fim do Império Grego, destruindo seu exército e deixando-o vulnerável à sua então grande rival Esparta. Numa das várias lutas travadas durantes as Cruzadas, os exércitos espanhóis perderam 23 mil homens em Granada 17 mil por causa do tifo. A doença também matou 10% da população inglesa no surto de 1577 e infectou assustadores 10 milhões de pessoas durante a Guerra dos Trinta Anos na Europa do Séx. XVII. Outra epidemia terrível abateu-se sobre a Irlanda em 1846 e, juntamente com a chamada Fome da Batata, contribuiu para reduzir para menos de 1/3 a população total da ilha. No Séc. XVIII, 25% da população carcerária da Inglaterra morria por conta da doença.


Pediculus humanus, o vetor do tifo. Até alguns anos
atrás todo mundo tinha quando era criança.
Um dos surtos mais historicamente significativos foi aquele que se abateu sobre as tropas de Napoleão Bonaparte quando este invadiu a Rússia, em 1812, naquele que é considerado um dos piores desastres militares de todos os tempos. Seu exército, la Grand Armée, se reduziu de 600 mil para 40 mil homens muito mais em virtude do tifo e do frio do que aos combates travados, tendo sido determinante para sua derrota na campanha oriental. Durante a 1ª Guerra Mundial 03 milhões de pessoas morreram na Rússia por causa da doença. Ainda na Rússia, durante a Revolução de 1918 o tifo infectou incríveis 30 milhões de pessoas e matou 3 milhões delas.

Numa das páginas mais tristes da história recente da humanidade, a doença ajudou os nazistas a matar milhares de prisioneiros nos campos de concentração da Europa ocupada durante os anos 1940, especialmente em Theresienstadt e Bergen-Belsen, onde o tifo fez aquela que talvez seja sua mais famosa vítima, Anne Frank, então com 15 anos (e também sua irmã, Margot). Epidemias ainda maiores em meio ao caos do pós-guerra da Europa dos anos 1940 só foram evitadas pelo uso generalizado do recém-descoberto DDT para matar os piolhos em milhões de refugiados e pessoas deslocadas. A doença se fez presente em quase todas as guerras até então, e chegou a influir diretamente no resultado de várias delas.

Uma curiosidade: Se hoje os militares são obrigados a raspar a barba e cortar o cabelo rente devem-no ao exército francês, que introduziu tais práticas como forma de erradicar justamente os piolhos, vetores do tifo. Ídem às medidas higiênicas, como a limpeza dos uniformes, hoje parte importante da disciplina de todos os exércitos. Após a descoberta da vacina durante a 2ª Guerra Mundial, as epidemias têm geralmente ocorrido na Europa Oriental, no Oriente Médio e partes da África, mas nada que assuste ou provoque alarmismo global.



Já este aqui, o Anopheles darlingi,  nos "presenteia"
com malária.
Mas existem outras que, embora não chamem mais atenção porque não fizeram eclodir mais nenhuma grande epidemia mundial, continuam a matar milhões de pessoas mundo afora. Neste sentido, um dos maiores flagelos atuais da espécie humana sem dúvida é a MALÁRIA. Neste exato momento existem entre 350 e 500 milhões de infectados por malária no mundo todo (mais de 07% da humanidade total), dos quais 1,5 a 03 milhões morrem todos os anos. Essa também tem seu histórico de epidemias como a de 1906, quando os EUA iniciaram a construção do canal do Panamá. Dos 26 mil trabalhadores, mais de 21 mil fora hospitalizados por conta da doença; na Guerra Civil Americana 1,3 milhão de soldados contraíram a doença e 10 mil deles morreram. Durante a 1ª Guerra Mundial, a malária paralisou forças britânicas, francesas e alemãs durante 03 anos; na 2ª Guerra Mundial, 60 mil soldados norte-americanos morreram da doença durante as campanhas da África e do Pacífico.



A malária é a única grande doença da humanidade
cujo causador foge do grupo vírus/bactéria: trata-se
de um protista, o Plasmodium falciparum.
Apesar de seu histórico mortal considerável e de seu potencial pandêmico, não há na atualidade um real esforço global para destruí-la, como ocorreu com a varíola. Existem áreas de alto risco que são simplesmente ignoradas pelas campanhas de vacinação da OMS, como algumas regiões da África por exemplo. Além do que, trata-se de uma doença predominantemente tropical, longe dos grandes mercados farmacêuticos e, portanto, desinteressante do ponto de vista econômico. Por isso, ela vai continuar matando milhões todos os anos, e nós vamos continuar a não ouvir nem a fazer nada a respeito.

Mais uma bactéria para nos encher a porra do saco:
Vibrio cholerae, causadora da cólera.
Seguindo o mesmo exemplo anterior, outro grande incômodo que ainda nos assola é a CÓLERA (que, no Brasil, tal qual o ebola, recebeu a escrotíssima denominação masculina de "o" cólera). Assim como a malária, trata-se de uma doença endêmica em algumas regiões do mundo, e estima-se que hoje existam nada menos que 5 milhões de infectados, com as mortes anuais podendo chegar à casa das 130 mil. Mas já foi pior: nos anos 1980 eram de até 03 milhões por ano. A causa aqui é a meeeeeesma de sempre: sistema de esgoto precário e consumo de água suja. Por este motivo a doença ainda é uma praga principalmente em países miseráveis (como o Haiti) e/ou em desenvolvimento e não necessariamente pobres (como a Índia). Até hoje, ocorreram 07 pandemias mundiais perigosas de cólera, a maioria no Séc. XIX e a última a mais de 40 anos.


Capa do jornal Le Petit, de Paris,
ilustrando a cólera como a morte
varrendo a população.
As primeiras foram gradativamente cosmopolitas porque, até então, não se tinha conhecimento algum sobre as causas da doença e o saneamento básico não era lá uma grande preocupação, mesmo em países desenvolvidos da época como os da Europa oriental. A 5ª pandemia foi a última em escala mundial pois, especialmente na Europa e EUA as cidades iniciaram grandes avanços na melhoria dos serviços de coleta de esgoto e tratamento de água. Assolou o mundo durante as duas últimas décadas do Séc. XIX e atingiu América, Europa e Ásia, matando aprox. 800 mil pessoas. A 6ª pandemia durou todo o primeiro 1/4 do Séc. XX e dizimou 1,5 milhão de pessoas, especialmente em países com notória precariedade sanitária na época (e alguns até hoje!), como Filipinas, Rússia e Arábia Saudita e, principalmente, na Índia (onde mais de 800 mil morreram). a 7ª e última grande pandemia ocorreu durante os anos 1960 e 1970, principalmente na Índia, Paquistão e Bangladesh, mas também atingiu o norte da África, a Itália, Japão e ilhas do Pacífico Sul.
Mas a doença não foi erradicada não... muito pelo contrário! Ultimamente ela anda fazendo a festa especialmente no Haiti, onde já era um problema recorrente, mas renovou o fôlego após o grande terremoto de janeiro de 2010. Mas ela também se faz presente na África e sudeste asiático, onde tem fez estragos na Índia em 2007 e Vietnã em 2007 e 2008.

Vamos à próxima? Quem tem mais de 30 anos aí certamente já teve SARAMPO (como eu). Hoje em dia ninguém mais ouve falar disso mas, assim como o tifo e a varíola, foi uma doença devastadora para a humanidade. Do início do Séc XIX até os anos 1950, calcula-se que a doença tenha tirado a vida de algo próximo a 200 milhões de pessoas, especialmente quando introduzida em populações desprotegidas. Um bom exemplo foram os nativos das Ilhas Aldaman, no sudeste asiático, que foram totalmente exterminados pelo sarampo. Mas onde ele não arrasou totalmente a população, matou uma boa parte dela. Em 1529, aniquilou 2/3 dos nativos de Cuba que já haviam sobrevivido à varíola. Em 1531, foi responsável pela morte de metade da população de Honduras e tinha devastado México, América Central e a civilização Inca. Durante a década de 1850, fez desaparecer 1/5 dos nativos do Havaí. Em 1875, o sarampo matou 1/3 da população das Ilhas Fiji, num total de 40 mil pessoas. A cura veio em 1954, quando o vírus foi isolado em David Edmonston, um menino americano de 11 anos. Isto levou ao desenvolvimento de uma vacina definitiva em 1963.

Então agora estamos livres do sarampo? Não. Ainda acontecem surtos incomodamente frequentes, muitos deles em países altamente desenvolvidos, como Japão (2007), Inglaterra e Itália (2008), País de Gales (2009), Espanha e França (2011). São mais comuns que os de cólera, por exemplo. Nem de longe derrotamos a doença, apenas a """controlamos""", assim mesmo, entre várias aspas.

E não podemos nos esquecer da DIARRÉIA, doença com múltiplas causas biológicas que mata 03 milhões de pessoas todo ano, das quais metade são crianças com menos de 05 anos de idade.


Enfim, apresentei aqui diversas doenças que já foram arrasadoras para a espécie humana, e 03 casos específicos em que elas realmente quase nos destruíram. Só que estes são casos conhecidos, se não na época de incidência mas ao menos hoje, e todos atualmente têm vacina ou ao menos potenciais tratamentos e/ou medidas de contenção. Mas... e se acontecesse algo totalmente novo? Um microorganismo ou uma outra causa qualquer que nos infectasse sem que tivéssemos a mínima ideia do que poderia ser?

Pois isto já aconteceu... na Inglaterra dos Séc. XV e XVI.

Trata-se do sudor anglicus, ou "DOENÇA DO SUOR", que matou nada menos que 03 milhões de pessoas em 5 surtos separados entre si por quase 70 anos (1485 / 1551). A pessoa simplesmente começava a suar e morria em 01 dia às vezes, até 03 horas depois de iniciados os sintomas.
O fato é que nunca ninguém jamais conseguiu descobrir qualquer coisa a respeito dessa doença. Não foram encontrados cadáveres da época que tenham seguramente morrido dela. Existe apenas a suspeita de um hantavírus, mas é pura teoria baseada em relatos da época, sem nenhuma comprovação de qualquer natureza. O último surto ocorreu em 1551 e após isso a doença desapareceu para sempre, sem deixar qualquer vestígio. É só um exemplo de como a humanidade pode simplesmente ser pega de surpresa a qualquer momento por um agente contagioso totalmente desconhecido.


É claro que hoje a medicina está fabulosamente avançada poderia estar mais, é verdade e as medidas de higiene e limpeza e as condições sanitárias são inacreditavelmente superiores do que à época das grandes pandemias mundiais, mas ainda somos, como criaturas vivas, suscetíveis às intempéries e microrganismos que povoam o planeta. Mas será que atualmente são eles quem de fato matam mais seres humanos? Seria a malária, ou a AIDS? Ou talvez outro agente infeccioso diverso não contado nas estatísticas?

Nada disso...

Acidentes de trânsito já estão matando mais do
que a maioria das doenças hoje em dia.
Neste ano de 2011 estamos chegando perto das 49 milhões de mortes no mundo, e o que mais nos matou não foram micróbios ou catástrofes naturais, mas doenças cardiovasculares, respiratórias, digestivas e neuropsiquiátricas, além de câncer e diabetes. Juntos, esses fatores são responsáveis por quase 57% de todos os mortos do mundo. Acidentes de trânsito (1,6 milhão) e mesmo suicídios (700 mil) matam muito mais que guerras (150 mil). Acidentes diversos respondem por outro milhão de mortes. Quedas, envenenamentos, afogamentos e fogo somam 1,2 milhão de mortes, e violência fora de conflitos bélicos já tirou quase 500 mil vidas este ano.
Outras grandes causas de morte incluem infecções respiratórias (3,5 milhões), complicações na gravidez e/ou durante o parto (3,1 milhões) e deficiências nutricionais (400 mil). Não computado no numerário total estão também os quase 35 milhões de abortos que já aconceram somente em 2011.

Com relação a assassinos biológicos, neste momento nossos maiores inimigos são a AIDS, diarréia (1,8 milhão cada) e tuberculose (1,2 milhão), seguidos por malária, meningite, hepatite e outras doenças tropicais. De longe, acompanham-nos a dengue e até a hanseníase.

Segundo a ONU, a cada 05 segundos uma criança
morre de fome no mundo.
Ou seja, na atualidade, fatores e condições HUMANAS matam muito mais do que microrganismos. Para nossa eterna vergonha, o maior assassino atual da humanidade não são guerras, doenças ou catástrofes naturais... mas a FOME. Enquanto você lê este texto, 800 milhões de pessoas estão famintas, das quais 10 milhões morrem a cada ano, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos (WFP) da ONU. São mais de 25 mil mortes por dia no mundo. O órgão estima que 75% dessas pessoas vivam em áreas rurais, principalmente na Ásia e na África. Só no sul do continente asiático, são 524 milhões de vítimas da fome.

Mas este é assunto para uma próxima postagem. Vamos aos links de hoje? Não, não me esqueci deles. Aqui tem uns bem legais (para alguns você vai ter que ser meio fodão no ingrêis):


Também recomendo fortemente aos interessados pelo assunto a leitura do artigo A História da Disseminação dos Microrganismos, do infectologista brasileiro Stefan Cunha Ujvari.



Sabe o que era isso? Um traje médico para cuidar dos doentes da Peste Negra.
Totalmente inútil. Com uma fantasia assim, ele provavelmente ajudava mesmo
era a matar os pacientes... de rir!