segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A Extinção da Humanidade: Epidemia



"A fame, pestis et bello, libera nos Domine"
(da fome, da peste e da guerra, liberte-nos Deus)

UFA! Demorou mas ficou pronto! E ficou show!


Após sucessivas crises de viadagem do meu computador (estou postando de outro), uma internação por cálculo renal e tirando leite de pedra pra conseguir arrumar os 14 diários de classe das escolas, finalmente consegui terminar esse texto, que aliás tava doido pra postar!

Conforme prometido anteriormente, vamos iniciar aqui a série sobre as muitas possibilidades reais que a espécie humana tem de sumir para sempre da face da Terra.

Como já disse em outra postagem, o ser humano atualmente tem pouquíssimos inimigos naturais mas ainda os tem. E eles em nada devem, em termos de periculosidade, às grandes feras que nos vitimavam no passado.
Que as doenças sempre nos acompanharam não é nenhuma novidade. O vírus da herpes é um dos mais bem documentados nesse sentido, foi encontrado nos fósseis de nossos mais antigos ancestrais, aqueles que dividimos com nossos amiguinhos chimpanzés.

Vou aqui dar ênfase a todos os momentos históricos em que a humanidade foi reconhecidamente quase destruída por alguma epidemia, destacando as que considerei as 03 piores delas. Ah, antes de mais nada é preciso deixar algumas definições postas, uma vez que você vai ler estas palavras muitas vezes e elas confundem um pouco a cabeça. Leia lá:

  • Endemia: doença de duração contínua e localizada em uma região limitada, não se espalhando além dela (febre amarela e dengue, no Brasil).
  • Epidemia: doença infecciosa e transmissível que ocorre em uma região específica e pode se espalhar rapidamente para outros lugares, originando um surto epidêmico (gripes do Séc. XXI).
  • Pandemia: epidemia de grandes proporções, podendo se espalhar por um ou mais continentes e/ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes ou destruindo cidades e regiões inteiras. (AIDS e gripe sazonal).

Ficou esperto? Então vambora! Quando se fala em epidemia, a primeira coisa que vem à sua cabeça ééé...?
Sim, eu sei, mas pode esquecer a AIDS, se foi nela que pensou
– e é quase certo que foi. Ela há muito já não é mais o monstro que apavorou o mundo nos anos 80. Lembro perfeitamente da paranoia da época, as milhares de propagandas a respeito de grupos de risco, os cartazes falando "assim pega, assim não pega" e até uma história de que a doença era na verdade o 3º segredo nunca revelado da Virgem de Fátima, que dizia respeito a uma praga que exterminaria toda a humanidade. Acompanhei o drama de celebridades como o astro do basquete Magic Johson e o nosso cantor Cazuza... enfim, naqueles tempos, contrair AIDS era a certeza de isolamento social e uma morte horrível.

Vírus HIV (em vermelho) invadindo célula sanguínea.
Não que ela não seja mais perigosa... desde o início do surto, a exatos 30 anos, 25 milhões de pessoas já morreram e 2 milhões continuam a morrer todos os anos. Nesse exato momento existem quase 40 milhões de pessoas infectadas no mundo (a maioria na África) e, segundo a ONU, quase 7.500 pessoas contraem a doença todos os dias. Mas apesar disso tudo, a infecção desacelerou, o número de pacientes sob tratamento aumentou 12 vezes e, hoje, qualquer doente pode gozar de uma vida social tão ativa e saudável quanto qualquer um. Já existem tratamentos eficazes no controle dos sintomas e os coquetéis anti-retrovirais (ou antirretrovirais, vai saber como ficou depois da revisão ortográfica) são altamente eficazes na prevenção – ALÉM DA CAMISINHA SEMPRE! Além disso, uma vacina está cada vez mais visível no fim do túnel: dois anticorpos descobertos ano passado, VRCO1 e VRCO2, se mostraram capazes de bloquear a maioria das variedades conhecidas do HIV (veja AQUI). Atualmente, o maior inimigo na luta contra a AIDS não é nem o vírus propriamente dito, mas sim algumas pessoas...

Assim como colocamos camisinha no pênis para
prevenirmo-nos de doenças, alguém deveria colocar
uma na boca deste cidadão para poupar o mundo das
besteiras que essa múmia vomita.

Mas vamos continuar. Hoje parece pouco provável que a AIDS seja o grande aniquilador da humanidade. Mas de vez em quando o mundo entra em polvorosa com uma nova doença. Talvez alguém aí ainda se recorde de um outro vírus, que assustou o planeta inteiro em 1995 pela rapidez com que se propagava e a morte horrorosa que infligia às suas vítimas... quem se lembra do ÉBOLA?

Naquele ano o ébola, que no Brasil recebeu a medonha denominação de ebóla sabe-se lá por que cargas d'água, iniciou um surto endêmico na cidade de Kikwit, no Zaire (atual Rep. Dem. Congo) e, em duas semanas, matou 245 pessoas. Pode parecer pouco, mas foi mais gente do que a AIDS em 10 anos naquele país.
Tecnicamente, o nome da doença é febre viral hemorrágica. A vítima sofre hemorragia generalizada e todo este sangue começa a vazar pelos orifícios corporais, principalmente ânus e boca. Assim como no caso da AIDS, a falta de informações alimentou o mito de que o vírus se espalhava pelo ar e dissolvia os órgãos internos, fazendo a pessoa defecar seus intestinos ou vomitar os próprios pulmões. Tudo exagero. O que nunca foi mito é o poder de letalidade do vírus. Até porque ele nem é o único. Existem outras viroses hemorrágicas tão terríveis quanto, como as febres de Lassa, do Rift, de Marburg e a febre hemorrágica boliviana, a maior parte delas na América do Sul e África mesmo, zonas tropicais quentes. Existe até um similar aqui no Brasil, que recebou o horroroso nome de vírus sabiá!

Mas hoje em dia, até o ébola já não mete mais tanto medo. Já existe inclusive uma potencial vacina em desenvolvimento. Ironicamente, a única coisa que impede o ebolavírus de se tornar uma pandemia mundial é... ele próprio! Suas vítimas morrem tão rápido que simplesmente não têm tempo de contaminar outras pessoas. Todavia, é exatamente essa característica que o torna um belo candidato à arma biológica (e já houve quem tentasse).

Se a própria morbidade do vírus o impede de se propagar, vamos pensar então em algo que não cause morte imediata (mas seja fatal), passe imperceptível e seja altamente contagioso. Algo assim contaminaria o mundo inteiro em questão de semanas! Isso é perfeitamente possível na atualidade e inclusive já vêm acontecendo. Vamos a um exemplo prático: em velocidade de cruzeiro, um vôo de São Paulo a Nova York dura aproximadamente 10 horas; de lá até Londres, outras 10 horas; da capital inglesa à Paris, míseros 35 minutinhos; da cidade-luz até Tóquio, 19 horas e, de lá de volta para São Paulo, cerca de 25 horas. Ou seja, se eu estiver infectado com uma doença com essas características, posso iniciar uma pandemia mundial... em menos de 03 dias. 
E de todos os agentes patógenos possuidores de tais características, o que obtém mais sucesso nesse sentido é o vírus da... GRIPE. Somente neste século, que acaba de completar sua primeira década, já tivemos 03 surtos (ou sustos, também é apropriado) dessa doença: SARS-CoV, H5N1 e H1N1, mas você deve conhecê-los melhor pelos nomes de suas doenças, apresentados a seguir.


Mas antes, por que diabos tanta gripe! Por um motivo extremamente simples: esse vírus é um dos mais insanamente versáteis que se conhecem. A facilidade de sofrer mutações e/ou recombinações é característica dos vírus RNA, dos quais já existem mais de 5 mil tipos (cepas) reconhecidos, entre os quais os da gripe.

A SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave, na sigla em inglês) "apareceu" na China em novembro de 2002 e, até julho de 2003, já havia infectado 8.273 pessoas e tirado a vida de 775 delas. Embora tenha se concentrado na Ásia, especialmente no sudeste do continente, e ter dizimado menos de 10% das vítimas, o que chama a atenção aqui é que, em questão de semanas, o vírus conseguiu se espalhar por 37 países em quase todos os continentes.

Mais uma vez, a histeria deu pano pra manga para um monte de bobagens, como a teoria de que a SARS na verdade era uma arma biológica criada pelos EUA para dizimar a população chinesa, temerosos de sua ascenção econômica e militar... sempre tem alguém pra falar e espalhar merda. O reservatório natural do vírus nunca foi encontrado, embora suspeita-se de que seja um tipo de gato selvagem da região, a civeta. O bicho é uma iguaria muito consumida na China (aliás, lá tudo que se mexe é uma iguaria...), e o contato com a nossa espécie fez o vírus sofrer uma mutação a qual tornou-o possível infectar seres humanos. Qual foi a inteligentíssima solução encontrada? Soltá-los? Claro que não... matar todos eles, claro! Simplesmente fazer o mais fácil (deixá-los em paz) nem pensar! Interessante notar que, em nosso desespero por alimentar um mundo entupido de gente, devoramos qualquer coisa que nos aparece na frente e, se ela for hospedeira de algum parasita grave PARA NÓS, então temos que matar tudo para "proteger-nos"...

Mas o mundo logo esqueceu a SARS porque, ainda em 2003, apareceu a GRIPE AVIÁRIA que, embora tenha infectado e matado menos que sua predecessora (508 infectados e 302 vítimas) conseguiu se espalhar bem mais: 60 países da Ásia, África e Europa. A taxa de letalidade também foi muito mais alta: quase 60%.

Neste caso, como no anterior, a suspeita é de que o vírus H5N1 conseguiu infectar seres humanos a partir de aves, inicialmente migratórias, posteriormente domésticas. Além de pessoas, contaminaram também animais que caçaram essas aves, como gatos selvagens e doninhas. Na verdade, na grande maioria dos países não ocorreram necessariamente mortes HUMANAS, mas foram encontrados pássaros selvagens portadores do vírus. Esta é uma capacidade notável (mais uma) desse vírus: consegue infectar animais  nunca antes suscetíveis a ele, como gatos domésticos por exemplo. Esta nova cepa do vírus notabilizou-se por ser mortal para outros animais além das aves hospedeiras, algo totalmente novo até então.
Dezenas de milhões de galinhas morreram sob consequência direta do vírus mas, ainda seguindo o infeliz exemplo anterior, CENTENAS de milhões foram mortas a porretadas, queimadas ou enterradas (muitas ainda vivas) como "medida de prevenção".

Perceba a evolução em curso aqui: em uma gripe comum, o vírus passa de um ser humano para outro; no caso da SARS, ele foi transmitido de um mamífero (civeta) para outro (o homem); agora, ele passou de um pássaro para um mamífero organismos fisiologicamente cada vez mais diferentes entre si a cada surto gripal. A facilidade com que o vírus conseguiu realizar uma mutação (ou uma recombinação genética) tão relevante nos mostra o quão poderosos eles podem ser. Mesmo infectando e matando menos gente do que sua predecessora, o "mérito" da gripe aviária foi se espalhar por mais países totalmente desapercebida, deixando bastante claro ao mundo que as "inofensivas" gripes sazonais de todo ano haviam ficado no passado e que, com a globalização, qualquer doença grave em qualquer lugar do mundo agora tem potencial para se tornar uma pandemia planetária. E foi exatamente o que aconteceu em seguida...

Se o mundo já havia se assustado com a SARS e a Gripe Aviária, em 2009 a GRIPE SUÍNA chegou para mostrar que as coisas sempre podem piorar MUITO! Dessa vez, a coisa foi realmente feia: praticamente todos os países do mundo foram afetados, com poucas exceções na África e pouquíssimas na Ásia, América e alguns microestados europeus e oceânicos. Além disso a praga, originária do México, matou, até agosto de 2010, quase 20 mil pessoas e infectou assustadoras 1,63 milhão! Foi a primeira pandemia mundial do Séc. XXI. Assim que souberam que o vetor do vírus eram os porcos, nem preciso dizer o que aconteceu né?

Alguns não tiveram nem a decência de matá-los
antes, e os enterraram ainda vivos.
Mas todos esses surtos gripais deste século na verdade provocam mais pavor que o necessário. Hoje em dia as medidas profiláticas, a assepsia e o controle de vetores, além do tratamento e contenção de doentes, são incontáveis vezes mais eficientes do que em qualquer outra época da história. E esse era justamente o problema de nossos bisavós... estes sim enfrentaram possibilidades reais de pandemia mundial. Mesmo a gripe suína com seus 14 mil mortos é suave, até mesmo aceitável, quando comparada a outros surtos virais, como a gripe asiática de 1958, que ceifou a vida de 2 milhões de pessoas (bem mais que as 775 do surto de 2003), a gripe de Hong-Kong de 1969, que matou 1 milhão de pessoas, e até mesmo a insípida gripe comum, que mata entre 250 e 500 mil pessoas todo ano até hoje. É isso aí... a gripezinha chatinha que derruba você todo inverno também pode matar.
E não podemos nos esquecer, claro, da maior catástrofe biológica do Século XX – a GRIPE ESPANHOLA de 1918.

O mundo estava acabando de sair de uma guerra mundial, que expunha à humanidade todos os horrores de um conflito estúpido que matou mais de 9 milhões de pessoas nos campos de batalha e agora tinha de enfrentar um novo inimigo, comum a todos, e que matou muito, mas MUITÍSSIMO mais gente que a própria guerra! Tudo parecia lembrar o que acontecera 570 anos antes numa mesma Europa devastada.

Remoção de cadáveres da gripe em St. Louis (EUA).
A primeira vez que apareceu, em fevereiro de 1918 principalmente nos EUA, se comportou como uma gripe comum: Incomodou, mas não desesperou. Além do mais, a guerra estava em seu fim e os países em conflito não podiam se dar ao luxo de perder soldados em virtude de uma gripezinha qualquer. Mas quando ela retornou, em agosto, assolou o mundo inteiro... e tornou-se letal.

Nas estimativas mais otimistas varreu do mapa não menos de CINQUENTA milhões de vidas humanas. Lembre-se que, à época, a população mundial era de 1,86 bilhão de pessoas ou seja, a gripe matou ao menos 03 em cada 100 seres humanos no mundo todo! E não se esqueça também de que ela infectou 0,5 bilhão de pessoas ou seja, mais de 1/4 de todas as pessoas do planeta! Que merda! Só que, como disse antes, esta é a estimativa mais otimista. Se considerarmos as mais realistas, o número pode chegar a até CEM milhões de pessoas mortas no mundo todo.

Hospital militar lotado de doentes da gripe de 1918.
O pandemônio foi geral. Cidades que já eram grandes à época, como São Paulo e Rio de Janeiro, ficaram desertas, ninguém saía às ruas. No pólo norte, tribos inteiras de esquimós simplesmente sumiram. Na Europa, os mortos multiplicavam-se tão rapidamente que não haviam caixões suficientes, e os velórios tinham tempo limitado a minutos. Não houve lugar no planeta onde ela não chegou. Até o ártico e ilhas isoladas do Pacífico foram atingidas. As vítimas morriam afogadas (!), pois seus pulmões se enchiam de fluído. Há relatos de que nos estágios finais a pele da pessoa ficava tão escura que não era possível discernir entre brancos e pretos. Estranhamente, ela se tornou mais mortal entre os jovens e adultos (a gripe comum afeta mais crianças e idosos). Os acampamentos militares europeus, cheios de soldados, foram atingidos com tudo.
No geral, a Gripe Espanhola matou não apenas mais que a 1ª Guerra Mundial, mas mais do que ela E a 2ª Guerra Mundial somadas à todas as vítimas da AIDS até hoje. Foi um dos maiores desastres naturais da história humana.

Propaganda nazista associando o tifo
aos judeus. Hitler deve ter sido carcado
por um judeu bingoludo... só pode!
Uma curiosidade: o nome "Gripe Espanhola" é apenas usual. Hoje acredita-se que a doença, na verdade, veio dos EUA através das tropas americanas que iam combater na Europa. É um costume imbecil nomear doenças com nomes de fora: na Idade Média, a sífilis era chamada pelos franceses de "mal napolitano", enquanto os italianos a chamavam de... "mal francês". Na verdade a Espanha, país neutro na 1ª Guerra Mundial, era o único país europeu que não impunha censura à imprensa por isso as primeiras notícias sobre a gripe apareceram lá, e o nome pegou. Na própria Espanha, a gripe era chamada de "russa"; na Rússia, de "siberiana"; e na Sibéria, de "chinesa". Ninguém queria ficar com a fama de causador da doença. Algo simlar aconteceu em 2009: o México protestou contra o que estava sendo chamado de "gripe do México" e o nome mudou para "gripe do porco". Aí quem despirocou foram os judeus, porque para esses idiotas o porco é um animal "impuro" e eles não aceitavam que a doença fosse chamada assim. Pura babaquice.

Detalhe: foi o mesmo vírus que atacou em 1918 e agora em 2009. A diferença no numerário de mortos reflete-se na melhoria da saúde pública e do conhecimento acerca da doença de uma forma geral no mundo.

Depois dessa você pensa: pode ter havido coisa pior?

Não só pode, como houve... e se chamou PESTE NEGRA.

O Triunfo da Morte, de Peter Bruegel, "o Velho" (1562). A obra retrata realisticamente o horror que foi
a Peste Negra na Idade Média, a pior epidemia da história da humanidade.


Uma filha da puta aqui...
Dessa vez a desgraça toda foi causada por uma bactéria, a Yersinia pestis (daí o nome "peste"), que vive no intestino da pulga do rato. Nenhum vírus, bactéria ou qualquer outro microrganismo em toda a história destruiu uma proporção tão grande da humanidade em uma única epidemia. O surto começou na China em 1331 e foi viajando juntamente com mercadores e comerciantes através de rotas comerciais pelo continente asiático até bater à porta da Europa dentro de navios vindos da Turquia (carregados com produtos E RATOS CHEIOS DE PULGAS) que aportaram em Gênova, na Itália em 1347. A doença matou 30 milhões de pessoas só na Europa, e outras 25 milhões de pessoas pela Ásia. No geral, foram entre 75 e 100 milhões de pessoas no mundo todo.


... e outra filha da puta aqui.
"Ah, a Gripe Espanhola matou mais gente"! Peraí, calma lá... há de se considerar pelo menos dois fatores aqui: 1) devido à própria precariedade de informações da época não se sabe quantas vítimas a doença fez no extremo oriente e na África, por exemplo. Existem apenas estimativas a respeito, e todas são bastante pessimistas; e 2) em termos proporcionais a gripe de 1918 matou 3% da população mundial, enquanto a peste levou embora algo em torno de 15% – e mais de 1/3 da população total da Europa. Em termos numéricos, existem controvérsias sobre qual matou mais, mas em termos percentuais não resta a menor dúvida de que a Peste Negra foi muito mais destruidora. Na época em que invadiu a Europa a população mundial era de aprox. 450 milhões de pessoas. Mesmo 50 anos depois do fim da epidemia, ainda haviam entre 75 e 100 milhões de pessoas a menos no mundo. Algumas fontes citam até 140 milhões de mortos. A população da Europa demorou quase 200 anos para se recompor a seus níveis pré-peste.

Foi a única vez em toda a história da humanidade em que sua linha de crescimento populacional fez uma curva negativa. Nem a Gripe Espanhola, a AIDS ou as guerras mundiais somadas conseguiram nada sequer parecido.


Então dessa vez não foi um vírus, mas uma bactéria. Será?


A possibilidade tem seus contestadores. Muitos questionam diversos pontos da teoria de que foi mesmo peste bubônica a doença que destruiu a Europa. Alguns, como o zoólogo britânico Graham Twigg, defende que a causa foi mesmo bacteriológica, mas a doença teria sido uma epidemia de antraz pulmonar causada pela bactéria Bacillus anthracis. Os epidemiologistas Susan Scott e Christopher Duncan, da Universidade de Liverpool, criaram a teoria de que a Peste Negra pode ter sido causada por um vírus como o Ébola, e não por uma bactéria. Outros afirmam que na verdade foi uma péssima combinação de doenças a partir de um pool de microrganismos, que foram lentamente enfraquecendo e minando a capacidade imunológica dos europeus até receberem o tiro de misericórdia – a Peste. Há ainda aqueles que associam a doença a alterações atmosféricas provocadas por quedas cósmicas (pode ver isso AQUI)... enfim, mesmo sem se saber O QUE ou COMO tudo aquilo aconteceu, não se tem dúvidas sobre a hecatombe provocada pela doença. Mas por que a catástrofe foi tão cabulosa a esse ponto? Existe uma série enorme de fatores a considerar.


Nos três primeiros séculos do 2º milênio da Era Cristã a Europa viveu uma era de estabilidade sem igual até então, o que levou a um aumento da fertilidade e da população – e, consequentemente, à inevitável escassez de alimentos (pensam que isso é coisa só dos dias de hoje?). A Grande Fome de 1315 já havia se encarregado de matar 10% da população europeia. A Guerra dos Cem Anos, um conflito territorial entre França e Inglaterra, além de mais mortes, contribuiu também para o esfacelamento da agricultura e da economia. Os enormes custos dessa guerra ridícula levaram a calotes financeiros (pensam que isso também é coisa só dos dias de hoje?) por parte das nações em disputa, que haviam pedido empréstimos a bancos de Florença e Siena e que levaram a Itália à uma grave crise financeira... a Europa do Século XIV foi um lugar onde tudo, tudo, TUDO, TUDO, TUDO deu muito, muito, MUITO, MUITO, MAS MUITO errado! O continente foi surrado por uma série de eventos trágicos, naturais e/ou humanos antes da chegada daqueles navios à Gênova. Quando os ratos entraram, já encontraram uma população faminta, enfraquecida e substancialmente desprotegida.


Placa no Porto de Weymouth, na Inglaterra. Quase
nenhuma região da Europa ficou livre da praga.
Islândia e Polônia conseguiram se salvar.
Existe também uma razão biológica para o sucesso da doença. Os europeus, assim como os índios americanos à época dos descobrimentos (verá mais sobre isso ainda neste artigo), não eram imunes à bactéria. Por isto mesmo, "a Peste Negra foi uma das mais fortes influências seletivas sobre a espécie humana nos últimos milhares de anos", conforme afirma Johannes Krause, pesquisador chefe e professor da Universidade de Tübingen, Alemanha. Ele ainda acrescenta: "as pessoas que foram menos suscetíveis devido à mutações naturais podem ter sobrevivido e se espalhado."


Uma das muitas tentativas dos cristãos de "resolver"
o problema era queimar judeus. A Santa Inquisição
havia-os acusado de envenenar os poços da cidade
– o que eles admitiram, sob cruel tortura.
Mas é claro que isto por si só não explica a letalidade da praga. Vale lembrar que, no Séc. XIV a pobreza, a desnutrição e A RELIGIÃO dominavam o cenário europeu em larga escala – isso sem falar no conhecimento médico da época, praticamente nulo. Num tempo conhecido como Idade das Trevas, em que a Igreja Católica controlava a tudo e a todos, proibindo a divulgação de qualquer ideia que contrariasse seus dogmas escrotos e transformando em carvão qualquer um que sequer tentasse fazê-lo, a Peste Negra foi associada (pela Igreja, claro) à ira de Deus, ao Demônio, a uma “conjunção planetária que envenenou o ar”, aos judeus, aos estrangeiros, às bruxas, aos mendigos, aos leprosos e a toda sorte de "inimigos", menos ao único deles – os ratos.

Mais uma ideia muito inteligente... orar bastante e se
auto-flagelar para Deus, a fim de expiar os pecados.
Desnecessário dizer o quanto foi inútil.
Mas o que explica essa quantidade absurda de ratos? Em primeiro lugar, os europeus de quase 700 anos atrás não eram tão frescos e abichalhados como os de hoje. Imundície, fedor e ratos eram coisas absolutamente banais e cotidianas para eles. Idem às suas cidades com ruas entupidas de lixo e tabernas lotadas de pessoas cheias de pulgas e carrapatos. Ver um monte de ratos mortos – o prenúncio da catástrofe – não lhes foi nenhum problema digno de consideração.


Mas existe uma outra causa que muitos especialistas apontam como crucial para o sucesso da praga... os gatos.


Ou, na verdade, a falta deles.


Aqui há de se levar em consideração todo o contexto histórico da Europa. O continente era – e ainda é, sejamos realistas – o centro cultural do mundo. Dos antigos impérios europeus do passado (como o Romano e o Grego) e mesmo de culturas menores, muito ainda manteve-se no cotidiano das pessoas, inclusive as religiões.



A deusa nórdica Freyja, ladeada por gatos. Juro
que não consigo entender por que os cristãos
não gostaram dela. Esses religiosos...
Só que aí a Igreja Católica (sempre ela!) começou a ver com maus olhos aquela diversidade cultural toda e resolveu empurrar seu monoteísmo na goela das pessoas na marra. Disposta a eliminar qualquer indício de paganismo (leia-se antigas religiões), associou ao Demônio tudo que fosse a ele relacionado... inclusive os gatos, presentes em muitos cultos ancestrais, como o da linda deusa Freyja, que viajava em uma carruagem puxada pelos felinos.


O idiota papa Gregório IX escreveu na bula Vox in Roma em 13 de junho de 1233 que os gatos (especialmente os pretos) caíram dos céus como Lúcifer ao ser expulso do paraíso. O ridículo bispo de Paris Guillaume d'Auvergne disse em 1235 que a forma de Satanás se mostrar a seus fiéis era como um gato. E aí a merda tava feita.



Isto poderia ter salvo a Europa.
O Dia de Todos os Santos, data importantíssima para as velhas religiões (pagãs), era comemorado, pelos cristãos, jogando-se sacos cheios de gatos vivos em fogueiras nas ruas, numa espécie de vitória (!) de Cristo contra o Demônio. O animal converteu-se em bode expiatório para as tentativas de "purificação" da Igreja Católica. Essa prática cristã de queimar gatos acabou por estender-se a qualquer tipo de comemoração, eles matavam gatos por qualquer motivo ou mesmo sem nenhum, o que quase acabou com a população felina no continente. E já dizia o ditado: quando o gato sai... os ratos fazem a festa!
No final das contas, a própria Igreja favoreceu a multiplicação de roedores, que carregavam consigo algo trilhões e trilhões de vezes mais "demoníaco" que os inocentes gatos: A peste. E assim, contribuiu para que a Europa sofresse o maior flagelo de sua história.


Enfim, uma reação em cadeia absolutamente bizarra que fez absolutamente tudo certo... pra dar tudo absolutamente errado. E deu.


Covas coletivas tiveram de ser cavadas às pressas em toda a
Europa. Esta daqui foi
descoberta em Veneza, Itália...
A peste bubônica não era necessariamente uma novidade para a espécie humana... na verdade, já nos era até bem conhecida. O que nunca se teve ideia era de como combatê-la. Antes delas, ocorreram inúmeros surtos em diversos países da Europa, Ásia e África... a maioria na antiguidade, mas aconteceu até em Madagascar em 2008! Isso mesmo, a apenas 03 anos, demonstrando claramente que, se as condições forem favoráveis, a doença volta com tudo.

E que condições são essas? Coisas dificílimas e absolutamente impossíveis de se realizar, como saneamento básico, higiene, educação sanitária e controle de roedores. Ou seja: CONSCIENTIZAÇÃO.


... e, esta aqui, na Inglaterra. Não haviam mais caixões, nem
espaços individuais para sepultamentos.

De todas as crises de peste que assolaram a humanidade, além da Peste Negra também a de Justiniano merece destaque. Em 542 a capital do então Império Bizantino, Constantinopla, foi atingida pela doença, no evento que ficaria conhecido pelo nome imperador na ocasião, Justinianus. Se temos dificuldades em computar o número de mortos de crises em pleno Século XX, imagine então a quase 1500 anos! A contagem final jamais será plenamente conhecida, mas estudos atuais sugerem que, no auge da epidemia, até 5000 pessoas morriam na capital... por dia. Provavelmente só ali 40% da população se foi. Até 1/4 da população humana da parte oriental do Mediterrâneo foi eliminada. Estima-se que a Peste de Justiniano matou cerca de 25 milhões de pessoas em todo o mundo conhecido.



Em tempos modernos, a maior foi a chamada Terceira Praga (em alusão à Praga de Justiniano e à Peste Negra), que começou em 1855 na província chinesa de Yunnan e durou 100 anos, tendo abrangência mundial. Massificou-se pra valer no Oriente, onde matou 12 milhões de pessoas na Índia e na China, e foi considerada finalmente terminada somente em 1959. Os últimos surtos significativos associados com a pandemia ocorreram no Peru e na Argentina em 1945. Enfim, se quiser saber mais sobre a maior pandemia de todos os tempos, veja um excelente documentário do History Channel AQUI.


De arrepiar, não? Mas se você não reparou, até agora dei ênfase apenas a grandes pandemias, daquelas que aparecem do nada, devastam grandes áreas e levam consigo milhares, milhões de vidas para, em seguida, desaparecer ou então se tornarem endêmicas. E é exatamente com relação às endemias que uma merece destaque...

Puta que pariu! Então tem coisa pior ainda!?

Não tem mais, mas tinha... e se chamava VARÍOLA.


Vítimas da varíola ao redor do mundo (Japão, EUA, Bangladesh e Índia).

Você nunca contraiu ou conheceu alguém que já, mas com (quase toda) certeza já ouviu falar nesta que é uma das doenças mais horrorosas das que já se abateram sobre nossa espécie. Sério, o nome é tão feio quanto o estado sob o qual o doente padece.

O maior assassino de todos os tempos.
Aqui voltamos a ter um vírus, o Vaccinia virus – é por causa dele que hoje tomamos VACINA: a primeira a ser produzida foi justamente para combater a varíola. Trata-se de um dos pouquíssimos vírus que são tão grandes a ponto de ser possível observá-lo sob microscópio óptico. Apenas ele e o vírus MCV (chamado "molusco contagioso", não me perguntem porquê) são tão grandes. Esta foi uma epidemia que castigou o mundo por séculos a fio e que, só no século passado, matou por volta de... 500 milhões de seres humanos. Você não leu errado, mas eu vou repetir: QUINHENTOS milhões. A partir dos anos 1950 aproximadamente 50 milhões de novos casos apareciam a cada ano. Em termos numéricos absolutos, foi o maior assassino biológico da espécie humana em todos os tempos.

A doença foi responsável por pandemias históricas da antiguidade, como a Praga de Antonino, em 165 A/C, que matou 5 milhões de pessoas, arrasou o até então imbatível exército romano, durou 15 anos e destruiu a Itália e a Gália, matando até 3000 pessoas por dia em seu pico.

Outra que se atribui à varíola foi a Praga de Cipriano, que abateu-se sobre o Império Romano em 250 e atingiu seu auge 20 anos depois. Com ela iniciou-se a queda definitiva do império pois, com grande parte da população morta, não havia de quem cobrar impostos ou como formar novos exércitos. Aqui também, tal qual na Peste Negra, os camponeses fugiram em desespero para cidades superpovoadas, originando novos focos e contribuindo duplamente para aumentar ainda mais a catástrofe, pois abandonaram os campos de cultivo que poderiam disponibilizar alimento. À época, pensava-se mesmo que a humanidade não sobreviveria.
Ela também foi responsável pelo declínio da civilização hitita em 1350 A/C. Epidemias de varíola na Inglaterra no Séc. XVII chegavam a matar 1/6 dos recém-nascidos. Ainda com relação à crianças, matava quase 15% de todos os recém-nascidos na Rússia do Séc. XVIII e, em algumas culturas antigas, as crianças só recebiam nome se sobrevivessem à doença primeiro.


A deusa Shitala "abençoava" os
hindus com a varíola, mas ela
própria não tinha a doença!
Cômodo...
Todos os números relacionados à varíola são grandes. Na Revolução Americana dos anos 1770 matou 125 mil pessoas, e na Guerra Franco-Prussiana de 1870, 500 mil. Calcula-se que somente no Séc. XVIII, quando ainda era uma endemia mundial, a varíola tenha exterminado mais de 60 milhões de pessoas. Face a uma moléstia tão devastadora, o negócio era "entregar pra Jesus". Ou, no caso, para Shitala-Mata, a deusa hindu da varíola. É... a doença era tão fodona que tinha até uma deusa exclusivamente pra ela, lá na Índia! Mas isso nem é tão estúpido... a insensatez maior era o fato de que, para seus fiéis, ter a doença era uma BÊNÇÃO!!! Poder exibir suas marcas horrorosas era um sinal da graça divina... puts! Ah, e a vacinação era rejeitada, pois era vista como uma forma de recusa à deusa... ai ai. Ei, se você é cristão não critique não... lembre do que a Igreja Católica fez lá na Europa durante a Peste Negra E DO QUE AINDA FAZ NA ÁFRICA COM A AIDS.


Como toda doença sem controle, a varíola também foi democrática e não poupou raça, sexo ou classe e matou, além de crianças e miseráveis, monarcas europeus, imperadores chineses, czares russos e califas árabes. Existe uma extensa lista de líderes e celebridades que morreram e mesmo que sobreviveram à varíola, embora severamente marcados como a rainha Elizabeth I da Inglaterra.


Acredita-se que a varíola tenha começado a encher o saco da humanidade a partir de um reservatório animal original (uma pesquisa sugere o camelo!) a mais ou menos 12.000 anos, quando dos primeiros assentamentos permanentes de agricultores. Os aglomerados humanos então tornaram-se grandes o suficiente para garantir uma transmissão regular do vírus, até o momento em que o mesmo gostou tanto de nosso corpitcho que passou a viver apenas dentro da espécie humana – seu único (e maior) erro.


Janet Parker, a última pessoa a morrer
de varíola no mundo.
Por quê? Porque apesar de seu histórico devastador (entre 25% e 30% de letalidade), a varíola também é o primeiro caso de vitória da humanidade sobre as doenças: foi a única a ser totalmente erradicada a nível mundial. Está extinta desde 13 de setembro de 1978, desde que a fotógrafa Janet Parker contraiu acidentalmente a doença num laboratório da Inglaterra. Antes dela, o último caso natural foi o cozinheiro hospitalar Ali Maow Maalin, de 23 anos, em 26 de outubro de 1977 em Merca, na Somália. Foi o maior esforço de vacinação em massa da história. Esse êxito retumbante da humanidade só foi possível porque o vírus tem justamente aquela fraqueza terrível: ter apenas o ser humano como hospedeiro, não conseguindo sobreviver dentro de nenhum outro tipo de célula.
Contou contra também o fato de ser um vírus DNA, uma vez que vírus desse tipo não têm alta taxa de mutação e se tornam assim bastante suscetíveis à uma vacina
exatamente o oposto dos vírus RNA, como os da AIDS e da gripe.
País após país, a varíola foi sendo eliminada até a completa aniquilação. O Brasil recebeu o Certificado Internacional de Erradicação da Varíola em 1973.


CDC de Atlanta.
Apesar de ter sido erradicado do planeta, o vírus ainda existe. Na verdade, há apenas mais 02 amostras dele no mundo todo: uma no Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta (EUA) e outra no Instituto Vector, em Novosibirsk (Rússia). EM 1980 a Organização Mundial de Saúde determinou que todos os 76 laboratórios que mantinham amostras em todo o mundo destruíssem seus estoques. À excessão dos citados acima, todos o fizeram. Determinou o mesmo em 1993, mas eles não destruíram. Determinou o mesmo em 1995, mas eles não destruíram! Determinou o mesmo em 1999, mas eles não destruíram!! Aí veio o Osama bin Laden e seu ataque de pelanca contra o World Trade Center em 2001, a ameaça de guerra biológica com o antraz logo depois... e a OMS passou, em 2002, a defender sua manutenção para se desenvolver novas vacinas caso o vírus reapareça. Os EUA têm estoques consideráveis da vacina, e naquela época os figurões do país foram todos imunizados, inclusive uma das poucas pessoas que mereceriam de fato morrer de varíola, como o ex-presidente George W. Bush.


O problema maior de um retorno da varíola é que a vacinação foi interrompida à mais de 30 anos, em 1980. Desde aquela época, a população do mundo aumentou 40% – e todo esse povo não tem imunidade alguma. Mesmo as pessoas vacinadas no passado não estão necessariamente protegidas, pois o nível de imunidade é incerto e, portanto, também são consideradas suscetíveis. A maioria dos estudos sugere que a imunidade permanece por apenas 03 a 05 anos. Já pensou que merda seria se ela fosse novamente solta no ar de um grande centro populacional?

Cena do Codex de Florença, livro do início do Séc.
XVI de autoria do espanhol Bernardino de Sahagún
mostrando índios astecas doentes com varíola.
Aliás, é exatamente sobre guerra biológica que está a história mais famosa (e triste) a respeito da varíola. Ela chegou às Américas junto com os espanhóis no Séc. XVI e, em contato com as populações de índios sem nenhuma imunidade que haviam por aqui, assumiu proporções trágicas. A doença até então era desconhecida no Novo Mundo e foi introduzida pelos europeus, tornando-se uma espécie de arma secreta que, muito mais que espadas, armaduras, mosquetes, arcabuzes e cavalos, determinou a queda dos impérios Asteca e Inca. Assim como os europeus de 1347 não eram imunes à peste bubônica, os americanos também não o eram agora com relação à varíola, e a matança foi hecatômbica. Estima-se que somente nos 02 primeiros anos de contato cerca de 3,5 milhões de astecas morreram vitimados pela doença.
A doença foi vital para a colonização dos EUA e do Canadá, destruindo tribos indígenas inteiras a partir do Séc. XVII. Algumas dessas epidemias foram deliberadamente causadas pelos colonizadores brancos, conforme comprova esta correspondência entre Sir Jeffrey Amherst, comandante-em-chefe das forças britânicas na América do Norte, e o coronel Henry Bouquet, em 1763, na época da rebelião indígena no rio Potomac:



“Não seria possível inventar um meio de difundir a varíola entre estas tribos de índios desleais? Neste momento, devemos utilizar cada estratagema em nosso poder para reduzir seu número.
Tentarei inocular (...) fazendo cair em suas mãos alguns cobertores e tomando cuidado para não me contaminar.”

O pulha "deu" aos índios cobertores e lenços infestados usados por soldados ingleses doentes. A doença destruiu tribos inteiras e, em alguns lugares, as casas eram simplesmente demolidas em cima das famílias mortas para que lhes servissem como túmulo, dada a impossibilidade de enterrá-las em tempo hábil. O chão de algumas aldeias ficou coberto de corpos. O botânico e explorador sueco Pehr Kalm escreveu em seu livro "Viagens na América do Norte" de 1770:

"Os lobos não vieram aos campos indígenas apenas comer cadáveres mortos pela varíola, mas também atacaram, mataram e comeram os doentes."

Intencionalmente ou não, em 100 anos a população original caiu de 25 milhões para menos de 3 milhões de índios. A varíola não destruiu apenas os 02 grandes impérios americanos da época. Virtualmente todas as populações indígenas do continente que fizeram contato com os europeus, grandes ou pequenas, foram duramente atingidas, desde esquimós no Alasca até índios no Chile. O vírus varreu o continente inteiro. Em termos de porcentagem de uma população, a varíola foi muito mais feroz para os índios americanos que a peste bubônica para os europeus.

A Queda de Tenochtitlán, autor desconhecido, Séc. XVII. A
varíola foi determinante para a vitória dos espanhóis em sua
luta contra os astecas.


Triste, não? Mas além dessas grandes pestes, não podemos nos esquecer das endemias que sempre existiram e, pelo andar da carruagem, sempre vão existir e flagelar a humanidade. Doenças absolutamente simples que se resolveriam com uma simples questão de saneamento básico, água potável e controle de vetores (quase sempre roedores e/ou mosquitos).


É esse putinho aí, o Aedes aegypti, que nos
transmite febre amarela, dengue...
A FEBRE AMARELA, doença endêmica dos trópicos, também já nos deu seus sustos. Ocorreram aproximadamente 30 epidemias da doença, principalmente nos séculos 18 e 19, em que o numerário de mortos frequentemente chegava à casa das dezenas de milhares, como na Filadélfia em 1793 (10 mil), Haiti em 1802 (40 mil) e Vale do Mississipi em 1878 (20 mil). Só na África, no decorrer de todo o Séc. XX, matou 1 milhão de pessoas. Ou seja, já meteu bastante medo...

... mas não mais. Embora continue fazendo vítimas, atualmente nem merece destaque em qualquer lista de grandes doenças da humanidade. Ainda é endêmica na África e América do Sul embora nesta última já esteja praticamente controlada, com menos de 300 casos anuais. E tudo por causa de um mísero mosquito!




Outra doençazinha triste que encheu bastante o saco do homem até os anos 1940 foi o TIFO, também conhecido como "febre da guerra" ou "febre da prisão" em virtude de sua ocorrência durante e após conflitos e também em cadeias. Ela é causada por uma bactéria, a , cujo vetor é um bichinho pequenininho e chatinho que está conosco a milhões de anos, desde Lucy: o piolho. É ele que nos infecta com Salmonella typhi, a bactéria que faz a sacanagem toda.


A Peste de Atenas, de Michiel Sweerts..
Trata-se de outro mal do qual não se ouve mais falar, em virtude do sucesso da vacinação e do controle do vetor, mas no passado o tifo foi uma das piores doenças da nossa espécie, responsável por milhões de mortes e epidemias famosas, como a Praga de Atenas em 430 A/C, que dizimou 1/4 da população ateniense e marcou o início do fim do Império Grego, destruindo seu exército e deixando-o vulnerável à sua então grande rival Esparta. Numa das várias lutas travadas durantes as Cruzadas, os exércitos espanhóis perderam 23 mil homens em Granada 17 mil por causa do tifo. A doença também matou 10% da população inglesa no surto de 1577 e infectou assustadores 10 milhões de pessoas durante a Guerra dos Trinta Anos na Europa do Séx. XVII. Outra epidemia terrível abateu-se sobre a Irlanda em 1846 e, juntamente com a chamada Fome da Batata, contribuiu para reduzir para menos de 1/3 a população total da ilha. No Séc. XVIII, 25% da população carcerária da Inglaterra morria por conta da doença.


Pediculus humanus, o vetor do tifo. Até alguns anos
atrás todo mundo tinha quando era criança.
Um dos surtos mais historicamente significativos foi aquele que se abateu sobre as tropas de Napoleão Bonaparte quando este invadiu a Rússia, em 1812, naquele que é considerado um dos piores desastres militares de todos os tempos. Seu exército, la Grand Armée, se reduziu de 600 mil para 40 mil homens muito mais em virtude do tifo e do frio do que aos combates travados, tendo sido determinante para sua derrota na campanha oriental. Durante a 1ª Guerra Mundial 03 milhões de pessoas morreram na Rússia por causa da doença. Ainda na Rússia, durante a Revolução de 1918 o tifo infectou incríveis 30 milhões de pessoas e matou 3 milhões delas.

Numa das páginas mais tristes da história recente da humanidade, a doença ajudou os nazistas a matar milhares de prisioneiros nos campos de concentração da Europa ocupada durante os anos 1940, especialmente em Theresienstadt e Bergen-Belsen, onde o tifo fez aquela que talvez seja sua mais famosa vítima, Anne Frank, então com 15 anos (e também sua irmã, Margot). Epidemias ainda maiores em meio ao caos do pós-guerra da Europa dos anos 1940 só foram evitadas pelo uso generalizado do recém-descoberto DDT para matar os piolhos em milhões de refugiados e pessoas deslocadas. A doença se fez presente em quase todas as guerras até então, e chegou a influir diretamente no resultado de várias delas.

Uma curiosidade: Se hoje os militares são obrigados a raspar a barba e cortar o cabelo rente devem-no ao exército francês, que introduziu tais práticas como forma de erradicar justamente os piolhos, vetores do tifo. Ídem às medidas higiênicas, como a limpeza dos uniformes, hoje parte importante da disciplina de todos os exércitos. Após a descoberta da vacina durante a 2ª Guerra Mundial, as epidemias têm geralmente ocorrido na Europa Oriental, no Oriente Médio e partes da África, mas nada que assuste ou provoque alarmismo global.



Já este aqui, o Anopheles darlingi,  nos "presenteia"
com malária.
Mas existem outras que, embora não chamem mais atenção porque não fizeram eclodir mais nenhuma grande epidemia mundial, continuam a matar milhões de pessoas mundo afora. Neste sentido, um dos maiores flagelos atuais da espécie humana sem dúvida é a MALÁRIA. Neste exato momento existem entre 350 e 500 milhões de infectados por malária no mundo todo (mais de 07% da humanidade total), dos quais 1,5 a 03 milhões morrem todos os anos. Essa também tem seu histórico de epidemias como a de 1906, quando os EUA iniciaram a construção do canal do Panamá. Dos 26 mil trabalhadores, mais de 21 mil fora hospitalizados por conta da doença; na Guerra Civil Americana 1,3 milhão de soldados contraíram a doença e 10 mil deles morreram. Durante a 1ª Guerra Mundial, a malária paralisou forças britânicas, francesas e alemãs durante 03 anos; na 2ª Guerra Mundial, 60 mil soldados norte-americanos morreram da doença durante as campanhas da África e do Pacífico.



A malária é a única grande doença da humanidade
cujo causador foge do grupo vírus/bactéria: trata-se
de um protista, o Plasmodium falciparum.
Apesar de seu histórico mortal considerável e de seu potencial pandêmico, não há na atualidade um real esforço global para destruí-la, como ocorreu com a varíola. Existem áreas de alto risco que são simplesmente ignoradas pelas campanhas de vacinação da OMS, como algumas regiões da África por exemplo. Além do que, trata-se de uma doença predominantemente tropical, longe dos grandes mercados farmacêuticos e, portanto, desinteressante do ponto de vista econômico. Por isso, ela vai continuar matando milhões todos os anos, e nós vamos continuar a não ouvir nem a fazer nada a respeito.

Mais uma bactéria para nos encher a porra do saco:
Vibrio cholerae, causadora da cólera.
Seguindo o mesmo exemplo anterior, outro grande incômodo que ainda nos assola é a CÓLERA (que, no Brasil, tal qual o ebola, recebeu a escrotíssima denominação masculina de "o" cólera). Assim como a malária, trata-se de uma doença endêmica em algumas regiões do mundo, e estima-se que hoje existam nada menos que 5 milhões de infectados, com as mortes anuais podendo chegar à casa das 130 mil. Mas já foi pior: nos anos 1980 eram de até 03 milhões por ano. A causa aqui é a meeeeeesma de sempre: sistema de esgoto precário e consumo de água suja. Por este motivo a doença ainda é uma praga principalmente em países miseráveis (como o Haiti) e/ou em desenvolvimento e não necessariamente pobres (como a Índia). Até hoje, ocorreram 07 pandemias mundiais perigosas de cólera, a maioria no Séc. XIX e a última a mais de 40 anos.


Capa do jornal Le Petit, de Paris,
ilustrando a cólera como a morte
varrendo a população.
As primeiras foram gradativamente cosmopolitas porque, até então, não se tinha conhecimento algum sobre as causas da doença e o saneamento básico não era lá uma grande preocupação, mesmo em países desenvolvidos da época como os da Europa oriental. A 5ª pandemia foi a última em escala mundial pois, especialmente na Europa e EUA as cidades iniciaram grandes avanços na melhoria dos serviços de coleta de esgoto e tratamento de água. Assolou o mundo durante as duas últimas décadas do Séc. XIX e atingiu América, Europa e Ásia, matando aprox. 800 mil pessoas. A 6ª pandemia durou todo o primeiro 1/4 do Séc. XX e dizimou 1,5 milhão de pessoas, especialmente em países com notória precariedade sanitária na época (e alguns até hoje!), como Filipinas, Rússia e Arábia Saudita e, principalmente, na Índia (onde mais de 800 mil morreram). a 7ª e última grande pandemia ocorreu durante os anos 1960 e 1970, principalmente na Índia, Paquistão e Bangladesh, mas também atingiu o norte da África, a Itália, Japão e ilhas do Pacífico Sul.
Mas a doença não foi erradicada não... muito pelo contrário! Ultimamente ela anda fazendo a festa especialmente no Haiti, onde já era um problema recorrente, mas renovou o fôlego após o grande terremoto de janeiro de 2010. Mas ela também se faz presente na África e sudeste asiático, onde tem fez estragos na Índia em 2007 e Vietnã em 2007 e 2008.

Vamos à próxima? Quem tem mais de 30 anos aí certamente já teve SARAMPO (como eu). Hoje em dia ninguém mais ouve falar disso mas, assim como o tifo e a varíola, foi uma doença devastadora para a humanidade. Do início do Séc XIX até os anos 1950, calcula-se que a doença tenha tirado a vida de algo próximo a 200 milhões de pessoas, especialmente quando introduzida em populações desprotegidas. Um bom exemplo foram os nativos das Ilhas Aldaman, no sudeste asiático, que foram totalmente exterminados pelo sarampo. Mas onde ele não arrasou totalmente a população, matou uma boa parte dela. Em 1529, aniquilou 2/3 dos nativos de Cuba que já haviam sobrevivido à varíola. Em 1531, foi responsável pela morte de metade da população de Honduras e tinha devastado México, América Central e a civilização Inca. Durante a década de 1850, fez desaparecer 1/5 dos nativos do Havaí. Em 1875, o sarampo matou 1/3 da população das Ilhas Fiji, num total de 40 mil pessoas. A cura veio em 1954, quando o vírus foi isolado em David Edmonston, um menino americano de 11 anos. Isto levou ao desenvolvimento de uma vacina definitiva em 1963.

Então agora estamos livres do sarampo? Não. Ainda acontecem surtos incomodamente frequentes, muitos deles em países altamente desenvolvidos, como Japão (2007), Inglaterra e Itália (2008), País de Gales (2009), Espanha e França (2011). São mais comuns que os de cólera, por exemplo. Nem de longe derrotamos a doença, apenas a """controlamos""", assim mesmo, entre várias aspas.

E não podemos nos esquecer da DIARRÉIA, doença com múltiplas causas biológicas que mata 03 milhões de pessoas todo ano, das quais metade são crianças com menos de 05 anos de idade.


Enfim, apresentei aqui diversas doenças que já foram arrasadoras para a espécie humana, e 03 casos específicos em que elas realmente quase nos destruíram. Só que estes são casos conhecidos, se não na época de incidência mas ao menos hoje, e todos atualmente têm vacina ou ao menos potenciais tratamentos e/ou medidas de contenção. Mas... e se acontecesse algo totalmente novo? Um microorganismo ou uma outra causa qualquer que nos infectasse sem que tivéssemos a mínima ideia do que poderia ser?

Pois isto já aconteceu... na Inglaterra dos Séc. XV e XVI.

Trata-se do sudor anglicus, ou "DOENÇA DO SUOR", que matou nada menos que 03 milhões de pessoas em 5 surtos separados entre si por quase 70 anos (1485 / 1551). A pessoa simplesmente começava a suar e morria em 01 dia às vezes, até 03 horas depois de iniciados os sintomas.
O fato é que nunca ninguém jamais conseguiu descobrir qualquer coisa a respeito dessa doença. Não foram encontrados cadáveres da época que tenham seguramente morrido dela. Existe apenas a suspeita de um hantavírus, mas é pura teoria baseada em relatos da época, sem nenhuma comprovação de qualquer natureza. O último surto ocorreu em 1551 e após isso a doença desapareceu para sempre, sem deixar qualquer vestígio. É só um exemplo de como a humanidade pode simplesmente ser pega de surpresa a qualquer momento por um agente contagioso totalmente desconhecido.


É claro que hoje a medicina está fabulosamente avançada poderia estar mais, é verdade e as medidas de higiene e limpeza e as condições sanitárias são inacreditavelmente superiores do que à época das grandes pandemias mundiais, mas ainda somos, como criaturas vivas, suscetíveis às intempéries e microrganismos que povoam o planeta. Mas será que atualmente são eles quem de fato matam mais seres humanos? Seria a malária, ou a AIDS? Ou talvez outro agente infeccioso diverso não contado nas estatísticas?

Nada disso...

Acidentes de trânsito já estão matando mais do
que a maioria das doenças hoje em dia.
Neste ano de 2011 estamos chegando perto das 49 milhões de mortes no mundo, e o que mais nos matou não foram micróbios ou catástrofes naturais, mas doenças cardiovasculares, respiratórias, digestivas e neuropsiquiátricas, além de câncer e diabetes. Juntos, esses fatores são responsáveis por quase 57% de todos os mortos do mundo. Acidentes de trânsito (1,6 milhão) e mesmo suicídios (700 mil) matam muito mais que guerras (150 mil). Acidentes diversos respondem por outro milhão de mortes. Quedas, envenenamentos, afogamentos e fogo somam 1,2 milhão de mortes, e violência fora de conflitos bélicos já tirou quase 500 mil vidas este ano.
Outras grandes causas de morte incluem infecções respiratórias (3,5 milhões), complicações na gravidez e/ou durante o parto (3,1 milhões) e deficiências nutricionais (400 mil). Não computado no numerário total estão também os quase 35 milhões de abortos que já aconceram somente em 2011.

Com relação a assassinos biológicos, neste momento nossos maiores inimigos são a AIDS, diarréia (1,8 milhão cada) e tuberculose (1,2 milhão), seguidos por malária, meningite, hepatite e outras doenças tropicais. De longe, acompanham-nos a dengue e até a hanseníase.

Segundo a ONU, a cada 05 segundos uma criança
morre de fome no mundo.
Ou seja, na atualidade, fatores e condições HUMANAS matam muito mais do que microrganismos. Para nossa eterna vergonha, o maior assassino atual da humanidade não são guerras, doenças ou catástrofes naturais... mas a FOME. Enquanto você lê este texto, 800 milhões de pessoas estão famintas, das quais 10 milhões morrem a cada ano, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos (WFP) da ONU. São mais de 25 mil mortes por dia no mundo. O órgão estima que 75% dessas pessoas vivam em áreas rurais, principalmente na Ásia e na África. Só no sul do continente asiático, são 524 milhões de vítimas da fome.

Mas este é assunto para uma próxima postagem. Vamos aos links de hoje? Não, não me esqueci deles. Aqui tem uns bem legais (para alguns você vai ter que ser meio fodão no ingrêis):


Também recomendo fortemente aos interessados pelo assunto a leitura do artigo A História da Disseminação dos Microrganismos, do infectologista brasileiro Stefan Cunha Ujvari.



Sabe o que era isso? Um traje médico para cuidar dos doentes da Peste Negra.
Totalmente inútil. Com uma fantasia assim, ele provavelmente ajudava mesmo
era a matar os pacientes... de rir!