sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Evolução: Simplificando a Teoria

Lucy, uma Australopithecus afarensis, um dos
mais antigos ancestrais conhecidos da nossa
espécie (3,2 milhões de anos), encontrado na
Etiópia.

Em primeiro lugar, se você já tem algum domínio no assunto... este texto também é para você.
Porque muitas vezes a Teoria da Evolução parece óbvia e simples para nós, mas pode haver uma certa dificuldade em se explicá-la para quem desconhece o assunto. Assim sendo, vou tentar escrever da forma mais simples, clara e sucinta possível especificamente para o público leigo – e para que você, que já entende do assunto, possa quem sabe conseguir explicá-la de maneira igualmente clara.


A molécula do DNA.
Não vou me ater ao conceito evolutivo em si uma vez que todos, mesmo que de forma errônea, fazem alguma ideia do que o mesmo signifique, mesmo que seja apenas a evolução do seu time no Brasileirão – que nem sempre é como desejamos. Aliás, este pode ser um ótimo exemplo: seu time no campeonato enfrenta desafios assim como os seres vivos na vida real. Ele nem sempre os vence mas – teoricamente – aprende com seus erros para tentar melhorar na rodada seguinte. Pode evoluir de fato e atingir um novo patamar (conquistar o título ou uma vaga importante), manter-se vivo (ficar no meio da tabela) ou “ser extinto” (cair para a divisão inferior). A escalação é formada pelos jogadores, assim como o código genético (DNA) é formado pelos genes: se o time vence, o código é mantido; caso contrário, será necessário modificá-lo (causar-lhe uma mutação) que pode ou não vir a dar certo.

Quer outro exemplo? Suas notas no antigo boletim escolar demonstravam sua evolução no decorrer do ano letivo, mesmo que não fossem tão satisfatórias como se gostaria. E que também podiam fazê-lo evoluir ou cair – aqui não tinha meio termo, era um sufoco só! Tal como nesses dois exemplos, evolução não significa necessariamente melhoria, mas sim progressão – que às vezes pode até significar retrocesso, é verdade. Não tá entendendo? Relaxe, isso vai ser exemplificado mais adiante.

Carlos Alberto, Brito, Piazza, Félix, Clodoaldo e
Everaldo; Jairzinho, Rivellino, Tostão, Pelé e Paulo
César. Para muita gente, esses "genes" formaram o
melhor código genético futebolístico de todos os
tempos: a Seleção Brasileira de 1970.
Vejam só, disse que não ia explicar o que era evolução e acabei começando... pois bem, o que vou enfatizar aqui, especialmente para os leigos e/ou incrédulos, é que a "teoria" da evolução já é um fato, comprovado e (quase) irrefutável. Por que "quase irrefutável"? Porque toda teoria científica, para ser válida, tem de ter a possibilidade de ser refutada (a ciência é humilde, a religião não), e o que a torna mais verdadeira é exatamente o fato de ninguém conseguir fazê-lo. Como a teoria da evolução.

Existem muitos exemplos que demonstram que a evolução está ocorrendo nesse exato momento. É, agora mesmo enquanto você está lendo este texto, e para demonstrar isso vou apresentar-lhes 04 áreas de diferentes abrangências para demonstrar eventos evolutivos visíveis: molecular, microscópica e macroscópicas invertebrada e vertebrada. Voilá!

Os tubos de ensaio onde os experimentos
moleculares foram realizados.
No primeiro caso, Sarah Voytek, do Scripps Research Institute (La Jolla / EUA), conseguiu "ver" a evolução em moléculas. A principal vantagem desse tipo de experimento é que as replicações ocorrem em questão de minutos, sendo possível à evolução acontecer – e ser acompanhada – em poucos dias. Ela criou um ecossistema (artificial, claro) dentro de um tubo de ensaio. As moléculas, no caso, eram enzimas forçadas a competir pela mesma fonte de alimento, que era outro tipo de molécula mais simples. Conforme se replicavam, apresentavam sensíveis diferenças com relação às moléculas matrizes, e no decorrer do processo transformaram-se em moléculas totalmente distintas daquelas. Isso se chama especiação, um dos conceitos chaves da evolução darwiniana. Veja bem, eram moléculas, agrupamentos de átomos, e não criaturas vivas. Mas ainda assim, elas evoluíram para formas moleculares mais complexas – exatamente o que se acredita ter acontecido nos primórdios da vida no planeta, com os coacervados. Além do mais, não são tão desconhecidas do grande público assim... existe uma molécula que conhecemos bem – e que nos infecta todo ano com a gripe: o vírus. Em tempo: algumas das moléculas originais desapareceram ao longo do experimento, mostrando que as mutações das concorrentes foram mais eficientes. Isto é seleção natural – outro conceito chave da teoria da evolução. 

ESPECIAÇÃO: uma população de uma mesma espécie se torna tão diferente da original que acaba criando outra, totalmente nova”

Essa é a Escherichia coli.
Com relação à evolução microscópica, um bom exemplo é a experiência conduzida por Richard Lensky, da Michigan State University (East Lansing / EUA) com uma espécie de bactéria chamada Escherichia coli. Microrganismos possuem taxa de duplicação bastante acelerada, podendo chegar às centenas de divisões em muito pouco tempo, tornando-se ótimos objetos de estudo de gerações. Em ambientes controlados, podemos aplicar-lhes condições específicas para acompanhar suas mutações.

Lensky começara a pesquisa com 12 populações quase idênticas da bactéria em 1988 e, em 2010, atingira a marca de 50.000 gerações. Todavia, algo fantástico já havia acontecido muito antes.


As 12 populações originais do experimento de Lensky. O frasco A-3, no centro à frente, apresenta turbidez justamente por abrigar a colônia mais diferente: aquela que metaboliza o ácido cítrico presente na cultura.

As colônias eram alimentadas com glicose, porque uma das principais características da Escherichia coli é sua incapacidade de absorver citrato como alimento. Aliás, essa incapacidade é tamanha que é utilizada pelos cientistas para distinguí-la de outras espécies de bactérias. Contudo, foi exatamente isso que aconteceu à altura da 31.500ª geração: elas passaram a metabolizar o citrato acrescentado propositalmente à cultura. É algo tão surreal quanto um ser humano evoluir a ponto de realizar fotossíntese! Mais que isso, a população que conseguiu tal façanha prosperou e diversificou-se, mostrando que haviam obtido sucesso em algo que jamais havia acontecido antes.


Consegue achar a mariposa branca?
O caso mais clássico de macroevolução talvez seha o das mariposas britânicas Biston betularia. Bem improvável alguém que se interesse por evolução nunca ter ouvido falar delas. Basicamente o caso ilustrava um exemplo de seleção natural provocada pelo homem, na qual as mariposas mais claras, outrora mais abundantes, gradativamente foram substituídas pela variedade melânica – preta – da espécie à medida em que a Revolução Industrial saturou o ambiente com fuligem. Desta forma, a variedade branca passou a ser mais predada pelas aves da região, ao passo que a preta, por sobreviver mais, passou a também se reproduzir mais, aumentando seu numerário e consequentemente sua população.


E a preta? :P
O que pouca gente deve saber é que aquela hipótese foi demonstrada errada décadas mais tarde. A conclusão foi provada e aceita pelos experimentos da época, sim – e não deixa de ter alguma validade – mas aqueles não eram os mais adequados para fornecer a explicação mais correta. A ciência evoluiu, os equipamentos e metodologias idem. Contudo, é exatamente esse tipo de deixa que os criacionistas precisam para invalidar toda uma teoria. Discorrerei mais à respeito na conclusão do artigo.


SELEÇÃO NATURAL: características benéficas são passadas adiante em gerações contínuas de uma espécie, ao passo que as ‘ruins’ são esquecidas e desaparecem"


Apesar disso, a hipótese das mariposas de Londres vai ficar para sempre lembrada como (não um evento de evolução no sentido literal da palavra mas) um exemplo de seleção natural, que é um dos principais mecanismos do processo evolutivo.

Ó o menino aí. Você também pode chamá-lo de
pekapeka-tou-poto, seu nome original na língua
nativa, o maori.
Mas existe um caso mais moderno (e na minha opinião muito mais curioso), o de uma espécie de morcego da Nova Zelândia, o Mystacina tuberculata. Existem aproximadamente 1.100 espécies de morcegos, mas esta é uma das duas únicas do grupo que conseguem andar pelo chão (a outra é o morcego-vampiro Desmodus rotundus). É também o último representante vivo de sua família, a Mystacinidae, que por sua vez, é a única família de mamíferos endêmica da Nova Zelândia (só existe lá). Agora que já o apresentei, vamos lá. Lembra lá no começo do texto quando disse que evolução também poderia ser um retrocesso? Este é o caso, mas novamente, não significa involução. Pelo contrário: o animal está simplesmente voltando ao seu estado ancestral original, trocando um ambiente por outro numa espécie de “retorno às origens”.

Pra que ele vai se matar pra caçar insetos voadores se
no solo tem bichinhos bem mais fáceis de se capturar?
Detalhadamente o que está acontecendo com ele é o seguinte: por perceber uma maior disponibilidade de alimento ao solo da floresta, o animal está se acostumando a procurar comida no chão, e não no ar, como de praxe. Em decorrência disso, este morcego já desenvolveu algumas especializações musculares e esqueléticas que nenhum outro possui. O resultado? Centenas e centenas de morcegos vêm até o chão para encontrar alimento (frutas, artrópodes e etc). Contribui para isso também a falta de predadores ao solo da floresta. Ou seja: eles se sentem totalmente à vontade. O biólogo que acompanha o fenômeno, Jared Diamond, afirma que estes não são apenas os mais terrestres dentre todos os morcegos, mas também indicam uma tentativa da natureza de fazer um animal voador retornar à condição terrestre (lembra da especiação?). Eles não procuram mais alimento no ar, como seus parentes, embora aind apossuam a capacidade de voar – e de fato o façam, vindo à terra apenas para procurar comida. Com o tempo, contudo, é bem provável que percam essa capacidade e se tornem animais exclusivamente terrestres novamente, como já foram um dia seus ancestrais mais basais. Pode parecer algo simples, mas existem outras histórias similares de retrocesso no reino animal cujos resultados foram espetaculares. Pesquisem mais a respeito desse bichinho da figura abaixo, por exemplo.

O nome deste animal é Pakicetus inachus, e você nem imagina o que a especiação fez com seus descendentes...

Como ficou demonstrado, a evolução ocorre mais rapidamente conforme há maior velocidade na formação de novas gerações – e mutações. As moléculas multiplicam-se em minutos; as diferenças em bactérias já podem ser visualizadas em dias; no caso dos morcegos, serão necessários talvez algumas centenas de milhares de anos para se observar modificações anatômicas significativas.

De qualquer forma, todos estes exemplos (bem como qualquer teoria científica) requerem observação, experimentação, postulação de hipóteses e confirmação ou eliminação das mesmas. Um cientista reúne fatos e procura tirar conclusões satisfatórias a respeito deles. Um religioso reúne “conclusões” (!?) nada plausíveis e tenta (só tenta) usar fatos para respaldá-las, sem nenhuma credibilidade ou sequer uma mínima acurácia científica. Em seu desespero, tenta se apegar ao que a ciência ainda não descobriu – convenientemente ignorando todas as outras respostas que ela já encontrou – para tentar invalidar tudo o que já foi descoberto até então.

Você precisa mesmo de todas as peças pra ver que
é uma paisagem?
Mas vamos lá, outro exemplo didático: pensem na seguinte analogia: quando você tem um quebra-cabeças de 500 peças e conseguiu encaixar 400 delas já se é possível ver, ainda que sem muitos detalhes, a imagem que está se formando à sua frente, sem a necessidade de se conhecer todas as peças para saber do que se trata. A reconstrução evolutiva dos seres vivos segue o mesmo raciocínio: com a disponibilidade de fósseis de que já dispomos – e que aumenta todos os dias – já podemos construir um quadro relativamente seguro da história da vida no planeta, sem precisarmos de todos os registros para isso. Com a evolução humana é a mesma coisa: não precisamos mais encontrar todas as peças para saber que de fato somos primatas derivados, parentes próximos dos chimpanzés, e não descendentes de um homem feito de lama bafejada por um velho gigante, e cuja fêmea foi feita a partir de um pedaço de sua costela...

Sim, vocês dois são parentes. Todas as teorias SÉRIAS confirmam isso, então não insista em negar.

Para os criacionistas, a grande menina dos olhos da vez são os "fósseis transicionais", os famosos elos perdidos que ligam grupos distintos de animais. Embora saibam que a ciência, especialmente no grupo de vertebrados, já encontrou praticamente todos eles, isto é simplesmente ignorado por "especialistas" que afirmam que tais fósseis não têm nada de diferente ou de espetacular. Talvez pensem que um fóssil transicional entre dois grupos distintos, como peixes e anfíbios, tenha de ser uma quimera aberrante, uma mescla de todas as características mais desenvolvidas de ambos os grupos. Um peixe com patas de sapo de fato ficaria horroroso. Mas pior que isso, ficaria muito longe da verdade. E não é necessário ser muito inteligente para se dar conta disso. Uma forma transicional une as características mais desenvolvidas do 1º grupo com as mais simples do 2º – o que é exatamente a mesma coisa.

Mas o Tiktaalik apareceu para nos dar essa resposta, assim como o fizeram o Archaeopteryx, o Furcacauda, o Cynognathus, Acanthostega e tantos outros antes dele. Através destes animais e de todos os seus predecessores/sucessores, sabemos que a evolução não se deu num estalo, num único elo perdido, mas sim em vários elos perdidos que demonstram, passo a passo, a transformação de um grupo em outro tão diverso anatômica, fisiológica e ambientalmente.

Mas sobre essas formas transicionais posso (e quero) falar mais numa próxima vez. Agora, para finalizar, quero dizer que, graças à evolução, hoje sabemos a resposta à milenar pergunta sobre quem veio primeiro, o ovo ou a galinha: foi o ovo, e quem o colocou foi (MUITO provavelmente) um réptil diapsida archosauria saurischia theropoda coelurosauria dromaeosauridae – nessa ordem. Os fatos (fósseis) nos levam à essa conclusão. Sim, a resposta é grande e confusa para o público fora da área, mas é segura. E ciência se faz com segurança.
Essa resposta pode mudar? Claro que pode! Aliás, a ciência vive se corrigindo. Diferentemente de algumas pessoas...

Claro que eu não poderia terminar sem colocar alguns links referentes ao texto que você acabou de ler. Lá vão eles:


E, se de todo modo, você ainda não se convenceu de que a evolução é real, só me resta apelar...


Lembra da Lucy lá em cima? Pois então, se não fosse pela evolução, ela jamais teria se transformado nessas mulheres.

E aí, convencido agora? ;)



Texto adaptado a partir do original publicado na revista Livre Pensamento Nº 01 (clique AQUI para fazer o download).

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